Quem são os kids pretos, alvos de operação da PF
9 de fevereiro de 2024Desde que foi deflagrada a Operação Tempus Veritatis na manhã de quinta-feira (08/02), tendo como alvo uma suposta organização criminosa que teria atuado na tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado democrático de direito, um grupo em particular passou a ganhar destaque nas investigações: os kids pretos.
Eles vieram à tona sobretudo após a notícia da prisão do coronel da reserva Marcelo Câmara, integrante do grupamento de elite do Exército que teria tido, segundo a Polícia Federal (PF), papel central na tentativa de tomada do poder após a eleição deLuiz Inácio Lula da Silva.
"Além de ser o responsável operacional pelo emprego da tropa caso a medida de intervenção se concretizasse, os elementos indiciários já reunidos apontam que caberiam às Forças Especiais do Exército (os chamados kids pretos) a missão de efetuar a prisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes assim que o decreto presidencial fosse assinado", diz a decisão do próprio Moraes que autorizou a operação.
Quem são os kids pretos?
Kids pretos é o apelido informal dado aos membros do Comando de Operações Especiais (Copesp) – também conhecido como "forças especiais" (FE) do Exército brasileiro. Esses militares, tanto da ativa quanto da reserva, são treinados para participar de missões com alto grau de risco e sigilo. O trabalho deles inclui operações de guerra irregular, cobrindo, entre outras coisas, táticas de guerrilha, terrorismo, movimentos de resistência e planejamento de fugas e evasões.
Considerados a elite de combate do Exército, os kids pretos recebem treinamento qualificado em ações de sabotagem e de incentivo à insurgência popular. Sua ação engloba ainda ataques a pontos sensíveis da infraestrutura, como torres de transmissão elétrica, pontes e aeroportos. Entre os lemas do grupo, está "qualquer missão, em qualquer lugar, a qualquer hora e de qualquer maneira".
O apelido faz alusão ao gorro preto utilizado por seus membros durante as operações. Segundo o Exército, o grupo tem um efetivo de cerca de 2,5 mil militares atualmente, podendo atuar em todo o território nacional.
Essas tropas, porém, só podem ser empregadas por ordem do Comando do Exército, sob coordenação do Comando de Operações Especiais.
De acordo com a revista Piauí, Bolsonaro tentou ingressar no grupo duas vezes, mas sem sucesso. Quando alçou ao poder, se cercou de vários dele.
Envolvimento nos atos golpistas
Segundo apontam as investigações da PF, kids pretos teriam sido convocados para uma reunião com outros militares e auxiliares do entorno mais próximo do então presidente Jair Bolsonaro para atuar em atos antidemocráticos, fornecendo apoio e orientações aos golpistas.
Neste encontro, realizado em Brasília em 28 de novembro de 2022, ou seja, após o resultado do segundo turno das eleições, teria sido discutida a participação dos kids pretos em um golpe de Estado.
De acordo com a Procuradoria-Geral da República (PGR), a reunião contou com participação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e ele mesmo um ex-kid preto, e do coronel Bernardo Romão, na época assistente do Comando Militar do Sul. O plano seria a tomada de poder após a eleição de Lula.
Conforme diálogos encontrados no celular de Mauro Cid, Corrêa Neto teria intermediado o convite para a reunião, selecionando apenas os militares formados no curso das FE. Isso demonstraria, segundo a PGR, um "planejamento minucioso para utilizar, contra o próprio Estado brasileiro, as técnicas militares para consumação do Golpe de Estado", aponta o órgão em documento enviado ao Supremo.
Quais são os principais nomes envolvidos na investigação?
Chama a atenção que, dos 22 alvos da operação, pelo menos oito sejam kids pretos, segundo fontes da investigação ouvidas pela TV Globo. Um dos mais conhecidos é Marcelo Câmara, preso na quinta-feira. Ele já esteve nos holofotes por suspeita de envolvimento na venda de presentes oficiais sob a gestão Bolsonaro e também de fraudes nos cartões de vacina da família do ex-presidente.
Além de Câmara, outros sete kids pretos foram alvo da operação: Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); Bernardo Romão Corrêa Netto, coronel do Exército; Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice de Bolsonaro em 2022; Cleverson Ney Magalhães, coronel do Exército e ex-oficial do Comando de Operações Terrestres; Guilherme Marques Almeida, coronel do Exército e ex-oficial do Comando de Operações Terrestres; Rafael Martins, major das Forças Especiais do Exército; e Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros, major do Exército.
Quais são outros indícios da participação dos kids pretos
Em pelo menos dois eventos golpistas em Brasília, entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023, foram encontradas pistas que apontam para o envolvimento dos kids pretos.
No primeiro deles, em 12 de dezembro, ônibus, automóveis e uma viatura dos Bombeiros foram incendiados em meio a protestos contra a detenção de um líder indígena apoiador de Bolsonaro. Segundo teria revelado um integrante da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) à revista Piauí, foram detectados três kids pretos infiltrados entre os xavantes.
Já em vídeos dos ataques às sedes dos três poderes em 8 de janeiro, é possível identificar, entre os manifestantes, ações próprias de quem teve treinamento militar. Exemplos seriam a divisão da multidão em grupos, o emprego de gradis como escadas para transitar entre os níveis dos diferentes prédios da Praça dos Três Poderes e o uso de luvas de couro e de granadas tipo GL-310, utilizadas inclusive nos cursos dos kids pretos.
ip/le (ots)