Questões que cruzam a fronteira marcam visita de Obama ao México
2 de maio de 2013Apenas quatro dias antes de ser empossado como presidente do México, em dezembro de 2012, Enrique Peña Nieto apertava a mão de Barack Obama no Salão Oval da Casa Branca: uma clara declaração de intenção, que certamente não passou despercebida – nem por Washington nem pelo chefe de Estado americano.
"Acho que isso expressa bem a força da relação entre Estados Unidos e México. Não é só uma questão de política, mas uma questão de povo, representado pelos muitos cidadãos americanos que viajam para o México, que vivem no México, e, óbvio, a incrível contribuição que os americanos de origem mexicana têm dado para a nossa economia, nossa sociedade e nossa política", comentou Obama.
A resposta de Enrique Peña Nieto foi igualmente efusiva: "Somos ambos sensíveis à necessidades de nossos povos. E também partilhamos uma visão muito importante de criar empregos."
A questão migratória
A partir desta quinta-feira (02/05) e durante três dias, Obama retribui a gentileza da visita do colega mexicano com juros, antes de seguir viagem para Costa Rica. Segundo a Casa Branca, durante a estada serão discutidos os laços econômicos e comerciais entre EUA e México. Mais revelador, o Ministério do Exterior mexicano comentou que uma ampla gama de assuntos estará sobre a mesa.
Entre eles está a reforma abrangente das leis de imigração – um doloroso calo no pé dos EUA, que envolve mais de 11 milhões de imigrantes inoficiais em solo americano, dos quais pelo menos 8 milhões são mexicanos. Assunto repetidamente relegado a segundo plano, agora parece que finalmente o Congresso se dispôs a enfrentá-lo.
O senador republicano Marco Rubio antecipa que a lei proposta não oferecerá anistia para os que estão sem papéis e entram ilegalmente no país. As sugestões apresentadas incluem uma rigorosa checagem de antecedentes, e o pagamento de multas e taxas de requerimento da permissão de trabalho, assim como de impostos.
Pressão do eleitorado
David Marciel é professor emérito na Universidade da Califórnia, Los Angeles, e dá aulas sobre História do México e questões de fronteiras, inclusive imigração. Ele afirma que, em seguida à eleição nos EUA, no ano passado, vem crescendo, sobretudo entre os republicanos, a consciência de que a reforma da legislação para estrangeiros é um fator de conquista de votos e não pode mais ser ignorada.
"Eu chegaria a dizer que é esse o motivo pelo qual a reforma está ocorrendo agora. Os republicanos se dão conta de que jamais chegarão a lugar algum sem os votos dos latinos', opina. "Estamos dobrando de número a cada 20 anos, porque somos uma população jovem. A idade média entre a população dos latinos é de 27 anos. Não depende de imigração, é uma questão de nascimento natural."
O professor José Luis Valdés Ugalde, da diretoria do Centro de Pesquisas sobre a América do Norte da Universidade Nacional Autônoma do México, concorda: "Acho que no Congresso americano eles são muito pragmáticos. Se se recusarem a levar adiante as reformas na imigração propostas por Obama, não terão qualquer chance com o voto dos latinos, no futuro, a curto prazo. E o curto prazo já é agora: dentro de dois anos haverá eleições legislativas e eles têm que estar preparados."
Fé no encontro, dos dois lados
O governador de Illinois, Pat Quinn, que acaba de encabeçar uma importante missão comercial para o México, saúda a viagem do presidente dos EUA. Em relação à imigração, o Illinois já tomou a dianteira, ao aprovar a assim chamada "Lei do Sonho", permitindo que estudantes imigrantes não regularizados obtenham bolsas de estudo particulares para frequentar a universidade. O estado também aprovou uma lei que dá aos imigrantes ilegais a possibilidade de tirar carteira de motorista, como medida de segurança.
"Esse é o tipo de coisa que mostra que somos capazes. Somos capazes de fazer algo, juntos, de forma bipartidária, democratas e republicanos, pelo bem da América. A energia de nossa população imigrante é muito especial, vai tornar o nosso país melhor", assegura o governador.
Por sua vez, Manuel Camacho Solís é um veterano da política mexicana. Senador ativo do Partido da Revolução Democrática (PRD), ele já foi chanceler do México, prefeito da capital e "comissário da paz" no contexto da rebelião zapatista no estado de Chiapas, no sul do país.
De seu ponto de vista, a reunião entre os dirigentes das duas potências americanas pode ser um "concurso de sorrisos" ou um lucrativo e valioso encontro de mentes. "Não é só uma questão de relações públicas. É uma questão de importantes assuntos que precisam ser discutidos. Se Peña Nieto conseguir restabelecer uma nova agenda com os EUA, então a visita de Obama será frutífera. Senão, vai ser apenas uma sessão de fotografias."
Violência mexicana, armas americanas
Não há como ignorar a guerra do narcotráfico no México, que já dura oito anos e custou a vida de mais de 73 mil pessoas, além de 27 mil outras dadas como desaparecidas. Solís lembra que durante visita recente do procurador-geral dos EUA, Eric Holder, ele e seu homólogo mexicano, Jesús Murillo Karam, discutiram questões da violência e de segurança.
Para o político do PRD, no entanto, o assunto precisa ser examinado mais de perto pelos chefes de Estado dos dois países. "Qual vai ser a estratégia do México para lidar com isso? Não pode ser apenas mais polícia. Tem que ser mais holística e mais completa, para convencer os americanos de que nós, no México, estamos comprometidos com o respeito aos direitos humanos", reivindica Solís.
Obama e Peña Nieto estão na linha de tiro de um enorme fiasco político bilateral. Mais de 90% das armas nas mãos dos cartéis da droga mexicanos são de origem americana, porém as tentativas de rastrear o comércio ilegal de armas têm sido desastrosas.
Terminou em caos a operação Fast and Furious, lançada e supervisionada entre 2006 e 2011 pela Agência de Álcool, Tabaco, Armas de Fogo e Explosivos (ATF). A estratégia de gunwalking – permitir a venda ilegal vigiada, na esperança de chegar até os cartéis do contrabando – perdeu a pista das armas envolvidas: das 2 mil colocadas em circulação, apenas cerca de 700 foram recuperadas. Numa ironia trágica, uma delas foi usada em dezembro de 2010 para assassinar o agente da Patrulha de Fronteiras dos EUA Brian Terry, em Santa Cruz, Arizona.
Do lado de Obama, contra a NRA
Em abril, os senadores americanos barraram a proposta de lei que previa um controle de antecedentes mais rigoroso para a venda de armas de fogo. Obama definiu o veto como "um dia bastante vergonhoso em Washington", mas não deu a batalha por terminada. Para tornar a situação ainda mais complicada, a lei de proibição de armas de assalto nos EUA, prescrita em 2004, nunca foi renovada.
Na opinião de Manuel Camacho Solís, esse é um ponto crítico, que ambos os dirigentes precisam esclarecer. "Somos totalmente a favor do presidente Obama e totalmente contra a Associação Nacional de Rifles (NRA). O papel do México não é apenas de examinar a questão, mas sim de fazer o trabalho mais eficaz possível em termos de relações públicas, impondo sanções aos que apoiam essas decisões [a favor da venda não controlada de armas]. Pois, se a coisa não lhe custa nada, você continua fazendo."
Antes de operar uma prestigiosa firma de segurança para executivos no México, Rolando Soliz foi agente do Serviço Secreto americano durante 23 anos. No período, atuou como guarda-costas dos presidentes Richard Nixon, Gerald Ford, Jimmy Carter, Ronald Reagan e George Bush pai. Ele apela a Obama e Peña Nieto para que adotem medidas práticas e imediatas, a fim de sustar a onda de armas ilegais que vem inundando o México.
"Temos que parar essas armas antes que entrem no México. Temos que trabalhar com os mexicanos na fronteira, para que eles acirrem os controles, selecionando melhor os agentes encarregados da aplicação das leis nas fronteiras. Esse é um ponto crucial."
Trata-se, portanto, de uma época crucial para questões cruciais. Os dois presidentes têm muito sobre o que conversar – e pouco tempo disponível.