Raízes da Amazônia ajudam na formação de neurônios
22 de dezembro de 2016Usada há pelo menos 3,5 mil anos por indígenas do Brasil e de outros países da América Latina, a Ayahuasca, também conhecida como Santo Daime, é uma beberagem alucinógena preparada com diferentes plantas e raízes da floresta amazônica e oferecida sempre em contexto ritualístico. Recentemente, cientistas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e da Universidade de São Paulo (USP) começaram a estudar o seu uso medicinal como antidepressivo e obtiveram resultados promissores em grupos restritos de pessoas.
Agora, um dos neurocientistas mais respeitados do país, Stevens Rehen, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto D'or, conseguiu comprovar, em laboratório, que um alcaloide presente em grande quantidade na Ayahuasca, a harmina, é capaz de induzir a neurogênese, ou seja, a formação de novas células neuronais humanas – um efeito similar ao obtido com drogas antidepressivas.
Os cientistas expuseram células neuronais progenitoras humanas à harmina em laboratório. Quatro dias depois, houve um aumento de 70% no volume de células. Os pesquisadores conseguiram constatar não apenas a formação de novos neurônios, como também determinaram de que forma as células respondem à harmina.
De acordo com o estudo, publicado no início deste mês na "PeerJ", o efeito envolve a inibição da enzima DYRK1A. Esta descoberta abre caminho para que a substância tenha potencial no combate ao mal de Alzheimer e no tratamento da síndrome de Down.
A enzima DYRK1A se localiza no cromossomo 21 e é muito ativada em pessoas com síndrome de Down. Portadores da síndrome nascem com três cromossomos 21 em vez de dois, como a maioria da população. A enzima também se revela superativada em pessoas com o mal de Alzheimer.
"Nossos resultados mostram que a harmina induz a geração de novas células neuronais humanas, um efeito similar ao de remédios tradicionais contra a depressão", afirmou Stevens Rehen. "Além disso, constatamos que a harmina inibe a enzima DYRK1A nas células neuronais, o que nos permite especular sobre o seu potencial terapêutico para o Down e outros problemas neurodegenerativos."
Isso, no entanto, não foi testado ainda, frisa Rehen, embora seja uma "especulação criativa promissora", em suas palavras.
Na análise do pesquisador, os cientistas brasileiros têm uma oportunidade única de protagonismo mundial no estudo da Ayahuasca e suas propriedades medicinais, uma vez que, por aqui, devido a seu uso religioso, a beberagem não é proibida – o que acontece em outros países.
"Precisamos fazer mais estudos", conclui.