"Rebeldes eleitorais", com e sem causa
16 de setembro de 2005É difícil ver em Berlim, nos últimos dias, algum poste de luz que ainda não tenha estampado o rosto de um candidato. Há por todo o país material de propaganda política dos partidos, mesmo que a campanha eleitoral alemã seja mais discreta, se comparada ao Brasil. O mesmo acontece nas bancas de revista: candidatos, plataformas e controvérsias eleitorais dominam as páginas dos jornais. Além de serem "o" assunto nas emissoras de rádio e TV.
Declínio ou amadurecimento da democracia?
Mesmo diante de toda a avalanche publicitária, o número de abstenções no país vem aumentando desde os anos 80. Enquanto alguns especialistas vêem a redução no número de eleitores como sinal de um enfraquecimento da democracia, outros dizem que a postura do não querer votar é simplesmente um sintoma de amadurecimento político.
Afinal de contas, no Reino Unido, na Suíça e nos EUA há mais do que o dobro, se não três vezes mais abstenções que na Alemanha. Mesmo assim, não há como ignorar: a tendência de se distanciar das urnas marca uma mudança de comportamento entre os alemães.
Apatia política virou in?
O percentual dos cidadãos que não votam dobrou no país nos últimos 14 anos. Nas últimas eleições, em 2002, o índice de abstenção foi de 21%. Sendo que o número de eleitores caiu em todos os Estados alemães, com exceção da Baviera, onde há uma participação de 81,6% – o maior comparecimento às urnas de todo o país.
Especialistas apontam duas razões para o aumento contínuo no número de abstenções. Uma delas seria uma espécie de apatia eleitoral, observada principalmente entre os jovens. Ou seja, se a tendência for comprovada nas próximas eleições no país, é possível que questões polêmicas como a reforma da previdência, por exemplo, acabem sendo, no futuro, decididas pelos próprios aposentados.
"Não é possível que os idosos venham a decidir sozinhos as eleições", profetiza Michael Eilfort, diretor da comissão de política econômica da Fundação Economia de Mercado (Stiftung Marktwirtschaft) em Berlim.
A perda de poder político da juventude poderá, segundo Eilfort, fazer com que a falta de interesse pelas campanhas eleitorais se transforme também num desprezo pelas ações políticas posteriores, o que poderia acarretar conseqüências graves para o a sociedade.
Mobilização através de instituições
Na opinião dos especialistas, outra razão para a redução no número de eleitores no país é a perda de significado das instituições tradicionais. Ou seja, num contexto em que cada vez menos alemães se identificam e fazem parte de partidos políticos, Igreja ou mesmo família, fica mais difícil mobilizar e convencer o eleitor através dessas instituições. O número de não votantes, então, aumenta proporcionalmente a esta distância da tradição.
"As pessoas votam quando mantêm ligações duradouras com instituições comunitárias", diz Eilfort. Sejam estas um ambiente familiar, uma paróquia religiosa ou um sindicato. Nestes ambientes, elas se acostumam a falar de política e, logo, tendem a querer participar de eleições.
Não às urnas como forma de protesto
Muitos alemães se negam a ira às urnas em sinal de protesto, pois vêem a abstenção como uma forma de se opor ao sistema político. "Os que não votam são cada vez mais e com cada vez mais intensidade os responsáveis pelos resultados das eleições", observa o especialista Eilfort. O que faz com que os partidos tenham que voltar cada vez mais os olhos para este contingente avesso às urnas.
Os "ausentes" se tornam assim um grupo que merece a atenção crescente de políticos e pesquisadores de tendências. Até mesmo uma plataforma na internet foi criada para unir os que se recusam a ir às urnas, que equivaleria na tradução para o português a www.eu-não-vou. "Queremos, desta forma, dar voz aos que não pretendem votar e mostrar ao mesmo tempo que é possível estabelecer um diálogo através da internet", diz Christoph Dowe, responsável pelo projeto.
Ele garante não ter a mínima intenção de fazer com que mais pessoas resolvam ir às urnas. O propósito do site, segundo Dove, é possibilitar um debate sobre o estado da democracia na Alemanha. "Acreditamos que chegou o momento de fazer com que as pessoas tenham a sensação de estar sendo ouvidas, enquanto em outros lugares elas são vistas apenas como um problema para as pesquisas de opinião", conclui Dove.