"Regime ainda está presente um ano após a queda de Mubarak"
11 de fevereiro de 2012Há um ano, em 11 de fevereiro de 2011, os egípcios foram às ruas celebrar a saída de Hosni Mubarak. Após a queda do ditador, há 30 anos no poder, e uma revolução que serviu de exemplo para outros países árabes, a população ainda espera por uma sociedade democrática, justa e inclusiva.
Andrea Teti – professor de Relações Internacionais na Universidade de Aberdeen, no Reino Unido, e pesquisador sênior do Centro Europeu de Assuntos Internacionais – falou em entrevista à Deutsche Welle sobre a situação econômica, política e social do Egito, como também sobre os desafios a serem enfrentados pelo país um ano após o início da revolução.
Deutsche Welle: O Egito tem hoje melhores chances de se tornar uma democracia liberal do que há um ano?
Andrea Teti: Essa é uma pergunta de um milhão de dólares. Eu diria que a revolução não era sequer por uma democracia liberal. No Ocidente, estamos acostumados a associar "democracia" a eleições, liberdade de expressão e de imprensa. Para os egípcios, independentemente de seus backgrounds, o tema é muito mais amplo.
Eles queriam direitos políticos, mas também justiça social. O desafio é muito maior do que convocar eleições parlamentares livres e justas. A situação no Egito hoje ainda está em transformação. Ainda é possível que ela se mova em direção à democracia, mas isso exige um equilíbrio cuidadoso das circunstâncias. Francamente, o que aconteceu no decorrer do ano que passou não é muito encorajador.
Mubarak foi derrubado há um ano, mas alguns de seus companheiros ainda estão no poder. Quão influentes são eles?
Dificilmente, alguém pode ser mais influente do que o marechal Tantawi, que foi ministro da Defesa sob o comando de Mubarak. Mas há outras figuras. A junta militar é um exemplo de um sistema que mudou pouco desde o levante. Na verdade, tem-se a impressão de que os militares decidiram mudar o mínimo possível e recuperar o que já mudaram desde a queda de Mubarak. Restam as perguntas: será que os militares querem simplesmente garantir seus interesses econômicos? Os militares querem um papel mais significativo na política egípcia?
A junta sempre se declarou a favor de uma transição para um governo governado por civis. Mas se observarmos o que aconteceu desde a revolução – com relação à perseguição de ativistas pró-democracia e ao ataque a sindicatos independentes, por exemplo –, é preciso encarar tal compromisso com ceticismo. Na melhor das hipóteses, o papel dos militares parece ambivalente.
Quais são os grupos mais influentes no Egito atualmente?
Há os militares e a Irmandade Muçulmana, que não é, porém, uma organização homogênea. Há um candidato islâmico e ex-membro da Irmandade Muçulmana que, aparentemente, quer concorrer às eleições presidenciais. Há muitas correntes dentro da Irmandade e uma divisão entre a antiga e a nova geração. Parece que os membros mais velhos têm mais a dizer e estão mais preparados para chegar a um acordo com a junta militar.
Além disso, há os salafistas, que foram a maior surpresa das últimas eleições, tendo recebido muito mais votos do que o esperado. É mais fácil dizer quem tem menos poder: os grupos que conduziram a revolução. Por exemplo, as organizações não governamentais pró-democracia, que sofrem pressão da Irmandade Muçulmana e de forças islâmicas. Mas elas ainda são poderosas o suficiente para negociar um acordo diretamente com os militares.
O senhor já mencionou a grave situação da segurança no Egito. Quais são os outros problemas que o país enfrenta?
O principal objetivo da revolução era construir uma sociedade inclusiva e representativa, tanto politica quanto economicamente. E para conseguir isso, há três problemas centrais: a reforma do setor de segurança, a reforma econômica e a representação política.
A reforma do setor de segurança é, talvez, o ponto que recebe menos atenção, principalmente na mídia fora do Egito. Trata-se de um problema prático, mas que tem profundas raízes políticas. Antes da revolução, as forças de segurança tinham a sensação de que podiam atuar fora da lei impunemente. Eles agiam em prol dos próprios interesses, e isso não mudou muito desde a queda de Mubarak. Houve alguns avanços, mas todos foram problemáticos, e sempre houve retrocessos.
Quanto à economia, a relativa pobreza de uma significativa parte da população se agravará com as medidas de liberalização. Nos tempos da revolução, falava-se que 40% dos egípcios viviam com menos de dois dólares por dia, e 20% com menos de um dólar – essas condições se tornaram ainda piores com o processo de liberalização. Falar em "liberalização" não é apropriado, pois o que vimos foi o poder estatal ser transferido para o âmbito privado, mas não houve uma real liberalização.
Politicamente falando, há o problema da representação. A antiga classe política não tinha credibilidade, nem legitimidade, e era extremamente corrupta. Este é um desafio que os novos parlamentares devem encarar e também um problema para a Irmandade Muçulmana, porque está diante de um dilema: a maneira mais fácil de permanecer no poder e alcançar os objetivos que persegue desde a sua fundação, em 1928, ou seja, chegar ao poder e islamizar a sociedade é entrar em acordo com os militares.
O problema é o alto preço a pagar, porque, assim, eles estariam no mesmo nível que o antigo regime. Em quatro ou cinco anos, quando, na melhor das hipóteses, haverá novas eleições, os eleitores cobrarão da Irmandade Muçulmana, pois não foi para um acordo com os militares que milhões de pessoas foram às ruas.
Como a União Europeia pode ajudar o Egito a resolver esses problemas?
A UE é um dos principais agentes democráticos na região, especialmente no Egito. Teoricamente, a UE vinculou seu apoio econômico e as relações comerciais ao desenvolvimento democrático e ao respeito dos direitos humanos – mas o problema é que tais condições nunca foram reivindicadas.
A ajuda ligada ao discurso democrático leva a uma espécie de subsídio ao Estado em questão. Isso precisa mudar. Bruxelas parece estar reconhecendo isso aos poucos, adotando uma nova estratégia no Egito desde março último. A UE deveria dar apoio prático e não apenas teórico.
Autor: Anne Allmelin (lpf)
Revisão: Carlos Albuquerque