ONGs decepcionadas
6 de junho de 2008A cúpula sobre segurança alimentar da FAO, a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação, chegou ao fim nesta quinta-feira (05/06) em Roma. Mas, por mais que os cerca de 180 países participantes se comprometam no relatório final a minimizar o sofrimento dos mais de 860 milhões de pessoas afetadas pela fome no mundo, organizações humanitárias e representantes de diversos países africanos criticam que nenhum passo concreto e significativo tenha sido acertado.
Os Estados participantes negociaram até o último momento a formulação exata do relatório. Entre outros, Cuba e Estados Unidos discutiram se a declaração deveria ou não condenar embargos econômicos, o que Washington recusou. Tampouco quanto à reivindicação concreta de combater a especulação envolvendo bens alimentícios pôde-se chegar a um acordo.
Mas a discussão mais acirrada envolveu os biocombustíveis. Enquanto EUA, Europa e Brasil defenderam seu futuro, diversos países africanos se mantêm céticos e pleiteiam que a plantação de bens alimentícios tenha clara prioridade. No final, concordou-se em criar um grupo de trabalho a fim de avaliar o impacto das bioenergias sobre a segurança alimentar.
ONGs: "nenhuma novidade"
Para o presidente do Senegal, Abdoulaye Wade, a cúpula simplesmente não respondeu à pergunta sobre como o mundo pretende combater a fome e a pobreza.
Segundo Philip Kiriro, presidente da União de Camponeses do Leste Africano (Eafu), diante da atual crise alimentar as nações industrializadas deveriam prover ajuda de longo prazo a pequenos agricultores. "Tornem-nos capazes de produzir, invistam na produção de pequenos agricultores", disse.
Organizações humanitárias lamentam que exatamente um sinal como este tenha faltado. A ONG Ação Agrária Alemã (Welthungerhilfe) alerta que não houve decisões claras e corajosas para incentivar a agricultura em países em desenvolvimento.
"Para nós, pequenos agricultores, não há nenhuma novidade. Temos que alimentar nossas vilas. Seria essencial que os governos fizessem programas para estes camponeses e que fossem controladas as empresas internacionais que nos tiram a terra sem levar em consideração a fome no mundo", cobrou Flávio Valente, da iniciativa brasileira Via Campesina.
Heribert Scharrenbroich, presidente da CARE Alemanha-Luxemburgo, salientou o disparate entre falar e agir nos políticos presentes. "É imoral subsidiar as exportações de países ricos por um lado e, ao mesmo tempo, impedir os países pobres de vender seus produtos em nossos mercados", disse, responsabilizando as nações industrializadas e o livre comércio pela catástrofe alimentar.
Scharrenbroich exige que instituições financiadas em sua maior parte pelas nações ricas – tais como o FMI, o Banco Mundial e a OMC – mudem radicalmente de perspectiva, de modo a promover o comércio justo e não o comércio internacional livre e desenfreado. Segundo ele, ninguém deve esperar que os países em desenvolvimento abram suas portas, enquanto as nações ricas se recusam a importar bens dos mesmos.
Estatísticas comprovam
Ao mesmo tempo em que justificam as críticas de ONGs e organizações humanitárias, as estatísticas comprovam a falência dos países industrializados em conter a fome no mundo.
Mais de 30 anos atrás, durante a conferência de alimentação da ONU em 1974 também na capital italiana, os participantes se comprometeram a erradicar a fome no espaço de dez anos.
Na cúpula de 1996, anunciou-se a meta de reduzir a fome à metade até 2015, objetivo que passou a fazer parte das Metas do Milênio do ano 2000, assinadas por todos os 189 integrantes das Nações Unidas.
Entretanto, os números indicam um efeito contrário, com o total de pessoas que passam fome aumentando, em vez de diminuir: de 700 milhões no ano 2000, esse total chega hoje a 862 milhões.
"Estratégia equivocada"
Para o especialista em agronomia Bernhard Walter, da organização filantrópica Brot für die Welt, ligada à Igreja Evangélica Luterana alemã, a estratégia da FAO de fomentar a produção agrícola de países em desenvolvimento através da provisão de sementes e adubos minerais é a solução errada contra a fome mundial, pois seria proveitosa apenas para grandes empresas agrícolas, que dominam o mercado.
Além disso, a conferência em Roma teria excluído quase completamente a questão climática, apesar de esta representar sérios riscos à segurança alimentar, criticou Thomas Hirsch, especialista em clima da Brot für die Welt.
A CARE vai ainda mais longe: países industrializados e emergentes, que impedem a redução da emissão de gases tóxicos, deveriam, segundo Scharrenbroich, ser responsabilizados pelo aumento da fome e da pobreza que sua postura provoca. "Conferências e cúpulas que se esquivam são eventos hipócritas, que não valem o dinheiro nelas investido", disse. "Isso vale também para a conferência sobre a fome em Roma."