Restrição à burca acirra debate religioso no Marrocos
12 de janeiro de 2017Proibir ou não? A decisão do governo marroquino de vetar imediatamente a produção e venda da burca – véu islâmico que cobre o corpo todo e com uma tela para os olhos – provocou acaloradas discussões e um conflito aberto no país.
Um dos motivos é que uma justificativa detalhada para a medida ainda não foi dada por parte do governo. Alguns jornais marroquinos sugerem, no entanto, que a decisão foi tomada por motivos de segurança.
A mídia aponta para muitos casos em que os criminosos se disfarçaram com burcas durante roubos. Outros, por outro lado, acreditam que a medida antecede uma lei que deverá proibir o uso da burca de forma genérica em locais públicos.
A decisão foi anunciada por meio de respectivos comunicados de autoridades locais na internet. Ela estipula que, num prazo de 48 horas, todos os comerciantes retirem as ofertas de burcas de seus sortimentos.
Vendedores da cidade de Tanger citados pelas mídias disseram que funcionários municipais os teriam instruído para que as burcas fossem armazenadas em grandes sacos plásticos. A decisão veio de surpresa, provocando a ira de salafistas e fundamentalistas islâmicos.
Questão de segurança
Ainda não está claro se a decisão do governo se refere exclusivamente à produção e à venda de burcas, véu originalmente proveniente do Afeganistão, ou também envolve o niqab, véu islâmico mais comum no Marrocos e que esconde o rosto e o pescoço, com uma abertura para os olhos.
De acordo com várias reportagens da imprensa, o niqab também está na mira do governo. O jornal Al 3omk al maghribi informou que as autoridades de diversas metrópoles marroquinas teriam solicitado a seus comerciantes que retirassem o niqab das prateleiras.
Nas redes sociais, a nova decisão é motivo de controvérsia. Muitos usuários saúdam a medida. Eles concordam com a tese de que a ação do governo tem a ver com preocupações de segurança. Outros explicam que nem a burca nem o niqab fazem parte do patrimônio cultural marroquino.
"No nosso país há mantos e vestimentas longas que respeitam a dignidade da mulher", escreveu um internauta. "Não queremos o estilo de vestuário dos talibãs. O niqab contraria a liberdade pessoal feminina. Ele representa uma clara ideologia política e social."
Outro usuário escreve que uma proibição da burca e do niqab teriam razões tanto culturais quanto de segurança. "Independentemente disso, apoio a liberdade das mulheres de se velar, como sabemos de nossas mães, irmãs e conhecidos", acrescentou o internauta. O jornal marroquino Al hadate intitulou a sua reportagem sobre esse tema controverso com "O fim da ditadura do vestuário".
Símbolo político
Mokhtar Aziwi, editor-chefe de Al hadate, afirmou à DW que a medida está relacionada com a situação de segurança, explicando que criminosos se aproveitam do véu islâmico de corpo inteiro.
"Muitos veem na burca uma espécie de disfarce. Pois ela dificulta a verificação da identidade de possíveis terroristas. Pois muitas daquelas que usam tal vestimenta se recusam a removê-la e mostrar seus rostos."
Alguns marroquinos ficaram surpresos, no entanto, que o governo tenha proibido a produção e a venda de burcas, mas não o seu uso. Outros veem na proibição uma tentativa de testar o clima entre a população sobre que consequências um futuro banimento geral do uso do véu islâmico poderia vir a ter.
"O problema é que uma peça de roupa se transformou em símbolo político – e em um que é rejeitado pelo estilo de vida marroquino", aponta Mokhtar Aziwi. "Além disso, é uma tentativa de levar a pensar que tenhamos nos distanciado da fé verdadeira – e seguindo critérios que são comuns em outros países, mas não no Marrocos."
Por esse motivo, a maioria dos marroquinos aprovaria essa decisão, acrescenta o editor-chefe de Al hadate. "Os opositores são apenas os seguidores de tendências obscuras que veem nessas vestimentas uma expressão da crença de que mulheres são um tabu para estranhos."
De fato, em sites salafistas, encontram-se muitos comentários críticos contra a nova decisão do governo em Rabat.
Entre os opositores da nova decisão também está o Observatório do Norte dos Direitos Humanos (ONDH): "É uma decisão arbitrária que viola de forma indireta os direitos das mulheres à liberdade de expressão e à liberdade de escolher o vestuário. Essa escolha pode expressar muito bem as suas identidades, como também as suas convicções culturais, políticas e sociais."
A moderada legenda governista islâmica Partido da Justiça e do Desenvolvimento, que se encontra agora num difícil processo de formação de governo, não se posicionou sobre o tema. Também o movimento islâmico Haraka At-tawhid wal islah (Movimento para o Monoteísmo e Reforma), ligado às lideranças governamentais, não quis se manifestar.