Retirada americana da Síria deve aumentar pressão migratória
8 de outubro de 2019O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, anunciou no último sábado (05/10) o que já ameaçava há meses: a Turquia realizará uma ofensiva na Síria com tropas aéreas e terrestres. O objetivo é estabelecer uma zona de segurança no norte do país vizinho, ao longo da fronteira com a Turquia.
Entre outras coisas, essa investida tem o objetivo de fazer recuar a aliança rebelde das Forças Democráticas da Síria (SDF), liderada pela milícia curda Unidades de Proteção Popular (YPG). Ancara vê nos curdos uma ameaça à segurança nacional.
Para Washington, no entanto, a milícia YPG é um parceiro importante na região, juntos conseguiram derrotar o autointitulado "Estado Islâmico" (EI). Sem sucesso, os EUA tentaram encontrar uma solução de segurança conjunta com a Turquia para a área fronteiriça, considerando ao mesmo tempo os interesses das milícias curdas.
Na segunda-feira de manhã, o SDF confirmou que a retirada das tropas dos EUA se iniciara, sem aviso. A Casa Branca comunicou no domingo que não defenderia seus antigos aliados contra a invasão turca. A decisão provocou inúmeras reações críticas, dentro e fora dos Estados Unidos, acusando Donald Trump de deixar os aliados curdos à mercê do Exército turco.
Nesta terça-feira, Trump tentou acalmar os ânimos, dizendo que não abandonará os curdos. "Estamos saindo da Síria, mas não abandonamos os curdos, que são pessoas especiais e maravilhosos combatentes", escreveu o presidente americano em sua conta pessoal no Twitter.
Trump prometeu que os EUA continuarão a ajudar as milícias curdas "financeiramente e com armas", respondendo, dessa forma, a críticas que surgiram do seu próprio Partido Republicano, que o acusam de estar deixando de proteger aliados que foram valiosos na luta contra o terrorismo.
Ofensiva turca
A investida do presidente turco pode ter consequências catastróficas para muito além da região. Consta que dezenas de milhares de apoiadores e combatentes do EI se encontram em campos curdos no norte da Síria.
"Uma das maiores ameaças é prisioneiros do EI do norte da Síria se estabelecerem no Iraque, o que afeta diretamente nossos interesses de segurança", disse à DW o parlamentar alemão Roderich Kiesewetter. Como muitos na UE, ele teme que os EUA acabem fazendo o jogo do grupo terrorista islâmico, caso se retirem da região e a Turquia assuma o poder.
Por conseguinte, Bruxelas está preocupada com os desdobramentos atuais. A porta-voz da Comissão Europeia Maja Kocijačič afirmou que, apesar das preocupações legítimas de segurança em relação à Turquia, a União Europeia continua a apoiar a integridade territorial do Estado sírio. Assim, o bloco europeu não considera justificada uma ofensiva militar turca.
"Os novos combates no nordeste da Síria não vão apenas agravar o sofrimento da população civil e levam à fuga, mas também prejudicar o processo político que estamos apoiando", comentou Kocijačič.
Refugiados em foco
Julien Barnes-Dacey, do think tank Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR), aponta que a Turquia não tem nenhum plano para lidar com a ameaça de um recrudescimento do EI. Sua prioridade é manter os curdos sob controle e fazê-los recuar.
Consta que nos campos de prisioneiros vigiados pelos curdos se encontram milhares de combatentes do EI provenientes de Estados europeus como a Alemanha. As exigências dos EUA de repatriá-los e levá-los à Justiça em seus países de origem não foram levadas a sério.
Segundo Barnes-Dacey, essas nações deixaram de assumir a responsabilidade por seus cidadãos, e "se essa região voltar a afundar num conflito, tudo poderá acontecer em relação aos prisioneiros do EI".
Além das preocupações de segurança e da disputa pela influência na região fronteiriça, a situação dos refugiados na Turquia vai, provavelmente, desempenhar um papel crucial na estratégia do Exército turco. Desde o início da guerra civil cerca de 3,6 milhões de deslocados sírios fugiram para a Turquia.
No início se vivenciava a cultura de boas-vindas, porém hoje o clima é outro no país. Erdogan anunciou agora que vai transferir os refugiados sírios para a zona de segurança planejada nos territórios do norte da Síria, possibilitando-lhes, assim, o retorno à terra natal.
Críticos como a eurodeputada Özlem Alev Demirel, do partido A Esquerda, acusam o presidente turco de seguir esse passo apenas por interesses de política externa: seu objetivo seria destruir o governo autônomo democrático liderado pelos curdos. "Com a invasão, bem como com a realocação de refugiados sírios, pretende-se ganhar a maior influência possível na reorganização da Síria", explica a parlamentar europeia.
No entanto, novos combates no norte da Síria também podem ter o efeito inverso, levando mais cidadãos a tentarem deixar o país. Desde o acordo UE-Turquia de 2016, Ancara assumiu a tarefa de impedir que os refugiados prossigam sua viagem em direção à UE. Se a ofensiva militar turca desencadear uma nova onda migratória, o número de refugiados poderá aumentar, de início apenas na Turquia. Mas em seguida a pressão migratória também deverá aumentar na Europa.
Durante meses, a situação no norte da Síria criou tensões entre a Turquia e os EUA, que são parceiros da Organização no Tratado do Atlântico Norte (Otan). Ancara classifica a milícia YPG como organização terrorista, Washington a apoiou militarmente. A situação compromete as relações entre os dois países, mas no momento ainda não se trata de um caso para a Otan, mas sim para os respectivos governos, afirmou um porta-voz da aliança atlântica consultado pela DW.
Com a retirada dos americanos, a tensão na região deverá continuar. O presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou que puniria a Turquia se ela violasse os interesses americanos com a invasão: "Destruirei completamente a economia turca", tuitou na noite de segunda-feira.
Nesta terça-feira, o presidente americano aproveitou o seu tuíte sobre os curdos para lembrar a relação que os EUA mantêm com a Turquia, membro da NATO, dizendo que "é muito boa", apesar de, na segunda-feira, ter ameaçado "destruir completamente a economia" desse país, se este fizesse alguma coisa "que vá para além dos limites", referindo-se à intenção de ataque aos curdos na Síria.
Não se sabe se o americano vai transformar essas palavras em ações. Mas uma coisa é certa: se o "Estado Islâmico" voltar a ganhar influência no contexto da ofensiva militar turca, esse conflito não poderá ser resolvido apenas por Washington e Ancara.
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