Retrospectiva Baselitz: do escândalo ao kitsch
14 de abril de 2004Prosseguindo sua série de exposições dedicadas a pintores contemporâneos, a Bundeskunsthalle de Bonn apresenta, até 8 de agosto de 2004, uma retrospectiva de Georg Baselitz (66). Consagrado internacionalmente como um dos mais expressivos expoentes da arte contemporânea, o pintor nascido na Saxônia é sempre identificado por seus modelos, objetos e paisagens de cabeça para baixo. Daí o título da mostra: Quadros de virar a cabeça.
Abrangendo 40 anos de criação artística, a retrospectiva demonstra, porém, que Baselitz não pode ser reduzido à característica que se tornou sua marca registrada. E nem mesmo à pintura, pois, entre os quadros, o visitante se supreende com suas cabeças ou figuras humanas gigantescas — geralmente mulheres — esculpidas em madeira.
Arte nua e crua : as esculturas
Logo à entrada da exposição estão a Mãe Folclore, a Mãe Guirlanda e a Irmã de Mondrian. De mais de dois metros de altura, elas representam o trabalho do escultor Baselitz. Esculpidas em faia, datam de 1996/97. Nem tinta nem verniz escondem o material e os vestígios cortantes do trabalho do artista na madeira. A impressão é de obras toscas, primitivas, mas não menos expressivas.
"A escultura é algo como um milagre", disse Georg Baselitz certa vez. E às vezes sua disposição no espaço cria um efeito especial. Os bustos das Mulheres de Dresden, de 1990, posicionados numa pequena sala da Bundeskunsthalle, ao lado de sua série mais recente (1998), sobre meninos, sugere um diálogo mudo entre pintura e escultura.
Seus quadros superdimensionados – alguns com mais de quatro metros – encontraram na Bundeskunsthalle, com suas altíssimas paredes, o local ideal para exposição. Trata-se da mais ampla apresentação de sua obra em todas as suas fases, segundo o mestre, que foi pessoalmente a Bonn conferir o efeito das obras no amplo espaço branco.
De falos a quadros quebrados
A mostra começa com as primeiras obras do pintor. Entre elas, alguns quadros com motivos fálicos que causaram escândalo na Berlim dos anos 60 e chegaram até a ser apreendidos. Seguem-se figuras heróicas da mesma década e os "quadros quebrados", em que uma ou duas linhas horizontais dividem a imagem na tela.
Mas o olhar do visitante bate inevitavelmente nos motivos de cabeça para baixo, que Georg Baselitz começou a pintar em 1969. Dessa fase, a Bundeskunsthalle não poderia deixar de exibir O bosque de perna para o ar, o primeiro em que ele inverteu a perspectiva. E assim conquistou uma liberdade pictórica e de composição que marca sua obra até hoje.
A arte de cabeça para baixo
"O que começou como uma gag, acabou se transformando num modelo sério de quadro. Eu estou feliz de ter encontrado essa forma", disse o artista. "Eu queria libertar o quadro da dependência fatal com a realidade. Desse jeito, a realidade ficou irreconhecível, virou absurda."
Baselitz certamente não é o único pintor a dizer que não faz sentido usar a pintura para "comparação com a realidade". "Às vezes eu desejo que os quadros fossem como a música, ou então, que os pintores fossem como os músicos, pois então não haveria essa tentativa." Sua referência não é a realidade, mas a história da arte, com a qual Baselitz brinca.
Nos anos 70, Baselitz resolveu pintar com os dedos. E quando a arte contemporânea volta a se reconciliar com o figurativismo expressivo, no início da década de 80, ele cria a série dos "comedores de laranja": quadros em que sobressai, no centro, a laranja de um amarelo ensolarado na mão dos personagens de cabeça para baixo. Essa fase dos diversos motivos culmina no imenso panorama que é o quadro Malerbild (quadro do pintor), uma obra que não caberia em qualquer museu.
O novo Baselitz: arte popular e kitsch
Suas obras da década de 90 e as mais recentes, de 2002 a 2004, complementam a retrospectiva. Quem olhar atentamente Fotografia de ontem (2002), logo entenderá quais os rumos que sua arte tomou no novo milênio. Tomando por base uma fotografia, Baselitz pintou seu próprio corpo e o de sua mulher, em trajes de banho. O quadro é o único com um fundo redondo, em meio a telas retangulares.
Como em obras anteriores, dos anos 90, o artista recorreu a fotografias de infância suas, dos irmãos e da família para suas composições, que se mostram mais coloridas, alegres e leves. Em outras, como o retrato de um cão, aparece o novo elemento mais claramente: um kitsch proposital. Ao recorrer à arte popular, Georg Baselitz encontrou nova inspiração para suas pinturas, ou para suas brincadeiras, por o lúdico estar sempre presente nas suas fortes pinceladas.
Outras telas, porém, surpreendem. Como a de um cavalo e cavaleiro com reflexo na neve, em que a perspectiva é dupla e não apenas de cabeça para baixo. Ou então o quadro mostrando quatro cavalos, como se dançassem em círculo. Um motivo lúdico, em meio às figuras disformes.
Acompanhando a retrospectiva, o museu oferece, entre outras atividades, cursos de pintura para crianças. O resultado do trabalho de quem já participou de um deles pode ser admirado a caminho da Bundeskunsthalle, através das janelas de vidro do prédio ao lado: uma porção de bonecos, de cabeça para baixo.