Romantismo e crueldade: a vida das mulheres do EI
12 de fevereiro de 2015Cerca de 10% de todos os estrangeiros que entram no "Estado Islâmico" (EI) são mulheres jovens ou meninas menores de idade. Desde meados de janeiro, um manifesto escrito em árabe dá pistas sobre o que aguarda as moças na organização.
O texto é intitulado Mulheres do Estado Islâmico. As autoras são membros das Brigadas Khansaa, uma espécie de polícia de costumes feminina que, por exemplo, prende mulheres na rua que não usam véu no rosto da forma considerada apropriada ou que usam um véu de corpo inteiro tido como fino demais.
A ideologia de gênero do manifesto é amplamente influenciada por outros textos de linha salafista – como um livreto produzido na Arábia Saudita, traduzido ao alemão sob o título Mulheres sob a proteção do Islã" e proibido na Alemanha em 2010, por causa da apologia à violência.
A mensagem central de todos esses textos é a desigualdade entre mulheres e homens e suas consequentes diretrizes para Estado e sociedade. Em Mulheres sob a proteção do islã está escrito, por exemplo: "A sabedoria divina deu às mulheres em geral emoções muito sensíveis, sentimentos suaves, cuidado e amor. Isso torna as mulheres capazes de desempenhar sua tarefa natural de ter filhos, amamentar e cuidar de todas as necessidades da criança pequena."
Muito sentimento, pouco entendimento
Essa riqueza de sentimentos, segundo o pensamento salafista, tem as suas desvantagens: ela impede que as mulheres pensem claramente e tomem decisões sensatas. Por essa razão, segundo as autoras de ambos os livros, Deus deu ao homem o domínio sobre a mulher.
Ambos os textos mencionam o versículo 4:34 do Alcorão: "Os homens são superiores às mulheres, porque Alá preferiu alguns a outros." O texto saudita cita todo o verso, no qual também se lê: "E, se você tem medo de que as mulheres se rebelem, chame a atenção delas, evite-as na cama e, então, bata nelas."
Chama a atenção que o texto, escrito por mulheres, não só não menciona a legitimação da violência, mas também a restrição dos direitos das mulheres juridicamente, tanto na divisão de heranças, guarda dos filhos ou em relação à poligamia. O texto mais longo, saudita, no entanto, procura ser completo.
O sistema de dominação masculina é justificado de um lado com uma referência à suposta "natureza" de ambos os sexos e, por outro, com referências teológicas, principalmente o Alcorão e a Suna. Ambos os textos são contra a emancipação "ocidental", que seria castradora dos homens e condenaria as mulheres a assumirem tarefas masculinas, as quais, alegam, elas não conseguem realizar.
O texto saudita se refere a supostos déficits intelectuais. O texto sírio vê uma constituição física fraca do sexo feminino. Ele se refere particularmente à menstruação e à gravidez. Em alguns aspectos, o manifesto sírio vai além do texto saudita e afirma que as mulheres são imóveis por natureza: elas preferem permanecer em casa, ao contrário dos homens. Por isso, Alá disse às mulheres no Alcorão: "E fiquem em suas casas".
Separação de homens e mulheres
A partir desta lógica, o direito de mulheres a uma vida profissional é praticamente inexistente. Os autores só permitem a mulheres trabalharem fora de casa por algumas horas – ou como professoras ou como médicas. Para isso, as regras da sharia devem ser seguidas.
Quem não as respeitar pode ter o mesmo destino da jovem dentista Rou'aa Diab, acusada de ter tratado homens. Devido à rígida separação entre homens e mulheres ditada pelo "Estado Islâmico", isto representa um crime capital. Em agosto passado, ela foi presa e executada.
Mulheres do Estado Islâmicoé um texto normativo, que quase não dá pistas da vida real das mulheres na organização. Mas isso pode ser conseguido em incontáveis blogs, fotos, notícias e entrevistas que as jovens postam no Facebook, Twitter e Tumblr.
"Ficamos em casa, cozinhando, cuidando das crianças e do bem-estar de nossos maridos. Se seu marido tiver tempo e disposição, pode acompanhá-la ao mercado ou a um cybercafé. Se ele permitir, você pode ir fazer compras com as irmãs", escreve uma delas.
Outras afirmam que fizeram panquecas ou dão dicas sobre como lavar a roupa de seus maridos com sabão em barra. Não parece coisa particularmente heroica, mesmo quando o destino como dona de casa é, de alguma forma, colocado a serviço de uma causa maior.
Amor e romantismo
Muitos estudiosos acreditam que, na verdade, as jovens são atraídas para a Síria pela esperança de amor ou por um desejo romântico. Esta opinião é corroborada pelas muitas fotos postadas de belos homens que se curvam, sorrindo, para suas mulheres completamente cobertas. "Na terra da jihad, eu te encontrei, meu querido mujahid", diz o texto de uma dessas fotos.
Histórias de amor envolvem essas fotos, sugerindo que as jihadistas na Síria conseguiram exatamente os maridos escolhidos para elas por Deus já na criação do mundo. Muitas mulheres do EI, no entanto, são mais do que bedroom radicals, como alguns chamam cinicamente. Isto é provado pelos longos textos políticos e religiosos que são publicados na internet pelas mulheres. Muitos textos mostram um intenso estudo de fontes islâmicas. Isso não é surpreendente, já que o nível de escolaridade entre as mulheres estrangeiras do EI é alto.
Também em relação ao radicalismo e à crueldade, elas não ficam atrás dos homens. Os textos comemoram execuções de reféns, aprovam crucificações; convocam para ataques em países ocidentais.
Com crueldade, rumo ao paraíso
Uma ex-estudante de medicina britânica que mudou seu nome para Mujahidah Bint Usama foi ainda mais longe, posando para uma foto, com uniforme de enfermeira, segurando uma cabeça decepada.
Pode ser que algumas mulheres do EI tenham sido aliciadas com ideias românticas de um amor único. Mas isso não quer dizer necessariamente que elas mantenham distância dos objetivos e práticas dos jihadistas. Como os combatentes do sexo masculino, elas se consideram parte de uma história grandiosa que, esperam, venha a mudar completamente o mundo.
O que acontece, porém, quando algum desapontamento se faz presente, quando a fé nos objetivos do EI desaparece ou quando a mulher fica farta do papel de dona de casa? Isso não conseguimos saber.
Quando chegam à Síria, as mulheres se sujeitam à lei islâmica, perdem sua liberdade de escolha. Sem autorização e companhia masculina, não podem sair de casa e sequer entrar em contato com a família pela internet. Quando o brilho do EI se apagar, as mulheres do EI permanecerão apenas como prisioneiras de um sistema bárbaro.
*Susanne Schröter é diretora do Centro de Pesquisa Islã Global de Frankfurt (FFGI)