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Síria pós-Assad terá de superar fragmentação do país

24 de julho de 2012

Os dias do regime Assad parecem contados. Mas ainda não se sabe o que virá depois. A sociedade síria carrega o legado da ditadura e a violência poderá continuar entre os diversos partidos conflitantes.

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Foto: Reuters

Assim que uma guerra atinge a capital de um país, o regime tem de se preparar para o pior. Saddam Hussein passou por isso em 2003, quando teve de deixar o poder logo após a invasão dos norte-americanos em Bagdá. Na Líbia, os rebeldes mal haviam chegado a Trípoli, e Muammar Kadafi partiu em fuga.

Agora, os combatentes do Exército Livre da Síria mostram presença em Damasco. Representantes do alto escalão do regime foram mortos em um atentado à bomba. Desde então, o regime Assad tem boas razões para se sentir seriamente ameaçado. A partir de agora, não se pode mais excluir a queda do regime.

Desejo de vingança

É questionável, porém, se a vitória dos rebeldes irá trazer tempos melhores. Pois eles também terão de lidar com o legado dos Assad. Por mais de 40 anos, pai e filho Assad permaneceram no poder. Ambos se consideram políticos seculares, mas isso não os impediu de ocupar posições-chave na política, na economia e nas Forças Armadas com membros da minoria alauita, ou seja, a mesma minoria xiita à qual pertencem.

Embora algumas posições sejam ocupadas também por membros da elite sunita e cristã, no centro do poder estão os alauitas. A brutalidade com que defenderam sua posição, até hoje, deve despertar entre os muitos opositores do regime um desejo de vingança e retaliação. Uma vez derrubado o regime Assad, um expurgo poderá se iniciar na Síria.

Syrische Flüchtlinge
Refugiados sírios na fronteira com o LíbanoFoto: AP

É muito alta a probabilidade que a violência se instale no país após a queda do regime Assad, explica Margret Johannsen, cientista política no Instituto de Pesquisa da Paz e Política de Segurança na Universidade de Hamburgo, em conversa com a Deutsche Welle. Ela explica que o país está fragmentado étnica e religiosamente – uma situação que não irá mudar com a saída de Assad.

Governo de unidade nacional

Uma eventual queda do regime implica o momento da verdade para os dois principais grupos de oposição, o Conselho Nacional da Síria e o Comitê Nacional de Coordenação. Ambas as organizações dizem reunir 90% dos opositores de Assad. E ambas declararam que representariam todos os oposicionistas sírios, independentemente de sua afiliação étnica e religiosa.

Pretende-se formar um governo de unidade nacional, disse uma porta-voz do Conselho Nacional da Síria, que preferiu ficar anônimo. Como a construção de uma nova Síria necessita urgentemente da experiência de governo e administração, também se vai cooperar com representantes do antigo regime – desde que não tenham cometido nenhum crime, acresceu o porta-voz.

"Nós não vamos cometer o mesmo erro que se fez no Iraque, ou seja, permitir que a sociedade se divida novamente. Vamos evitar este erro. Diante disso, estamos confiantes de que poderemos formar um novo governo", afirmou o porta-voz.

Legado político de Assad permanece, a princípio

Criar uma real confiança num governo de unidade nacional se assemelha, no entanto, a uma revolução cultural. Mesmo que pai e filho Assad tenham apelado repetidamente pela unidade síria, na verdade, eles a pisoteiam. Assim, a maioria dos sírios se acostumou, a não confiar no Estado, mas em seu próprio grupo, seja ele definido pela etnia ou pela religião. Não importa a composição do próximo governo: não será uma tarefa fácil deixar para trás o legado político e cultural do regime Assad.

Shabiha Miliz in Syrien
Apoiadores de Assad da milícia ShabihaFoto: dapd

Em todo caso, é questionável que isso venha a acontecer, disse a cientista política Margret Johannsen. Embora, a longo prazo, uma nova Constituição e novas instituições devam ser implantadas sob o signo de uma identidade síria abrangente, é questionável, porém, se isso poderá superar realmente a divisão étnica e religiosa do país. "O medo é que não se possa deixar de considerar a fragmentação do país também nos órgãos do Estado – vindo então finalmente a institucionalizá-la."

Reconciliação exige disciplina

De qualquer forma, caso o regime venha a cair, o país terá pela frente tarefas mais urgentes para resolver – especialmente, acabar com a violência entre os diversos grupos populacionais. Outros exemplos, como a África do Sul, demonstraram que isso é possível. É preciso uma mesa-redonda, onde estejam representados todos os grupos da população, inclusive os representantes do antigo regime.

Isso necessita, no entanto, uma grande disciplina de todas as partes, disse Johannsen. "Porque tal composição de poder é um desafio. Isso exige que se deixem de lado a vingança e retaliação pelos males sofridos." Embora haja exemplos de que isso pode ter êxito, na Síria, esse processo pode levar um tempo considerável. "Por outro lado, não há alternativa."

Atualmente, a Síria está dividida claramente entre apoiadores e opositores de Assad. Caso Assad seja derrubado ou renuncie, seus opositores terão de comprovar, primeiramente, que pretendem não somente se livrar do presidente, mas que pretendem, também e principalmente, superar o princípio da divisão, imposto à Síria por Assad e seu pai durante mais de 40 anos no poder.

Autor: Kersten Knipp (ca)
Revisão: Roselaine Wandscheer