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Saddam Hussein tem direitos humanos?

ef23 de dezembro de 2003

Nunca um ditador contou com tanta compaixão como Saddam Hussein. Esta a conclusão da revista "Der Spiegel", após um levantamento de reações indignadas com o tratamento dispensado ao ex-déspota pelos Estados Unidos.

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Prova de saliva - uma imagem indigna de Saddam Hussein?Foto: APTN

A revista alemã levantou a questão polêmica sobre se os direitos humanos devem valer também para ex-ditadores sanguinários, como o iraquiano, que ordenaram a tortura e a matança de milhares de pessoas. O próprio autor do artigo, Henryk M. Broder, deixa claro nas entrelinhas que a questão desperta indignação tanto dos que consideram que Saddam Hussein tem direitos humanos para ser respeitados quanto dos que acham que ele deveria receber o mesmo tratamento que os executores dos crimes de sua ditadura dispensaram às suas vítimas. Ele pergunta, por exemplo, "o que é o sofrimento dos torturados e mortos em relação à humilhação a que foi submetido o ex-ditador ao ser mostrado pela TV ao mundo durante uma prova de saliva?"

"Um coração para Saddam"

- O artigo da Der Spiegel tem como título Ein Herz für Saddam (Um coração para Saddam). Isto é um plágio do programa de gala de TV (Um coração para crianças), que arrecadou donativos no total de 6,9 milhões de euros só numa noite para crianças carentes. Seu autor lembra que, nem bem haviam acabado de dar um banho, barbeado e cortado o cabelo do ex-ditador capturado dentro de um buraco, proeminentes de várias partes do planeta começaram a rejeitar a hipótese de Saddam Hussein ser condenado à morte.

O ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Joschka Fischer, foi um dos primeiros a rejeitar uma aplicação da pena capital contra Saddam Hussein, "por uma questão de princípio". A encarregada do governo alemão para questões dos direitos humanos, a deputada do Partido Verde Claudia Roth, pronunciou-se contra a pena de morte e por um processo justo e transparente para o ex-ditador iraquiano. A presidente da Comissão dos Direitos Humanos do Parlamento em Berlim, Krista Nickels, pronunciou-se no mesmo sentido: "A pena de morte não é compatível com os direitos humanos".

Saddam Hussein nach der Rasur
Saddam Hussein depois de asseadoFoto: AP

"Tratado como um animal"

- Mas nem só políticos alemães manifestaram preocupação com a vida e o bem-estar do ditador derrubado pela guerra que os EUA e a Grã-Bretanha fizeram em nome de supostas armas de destruição em massa, que não foram encontradas até hoje no Iraque. O secretário-geral da ONU, Kofi Annan, chamou atenção para o fato de nenhum tribunal das Nações Unidas ter usado a pena capital em toda a sua história. O Vaticano também se manifestou por meio do cardeal Renato Martino. Depois de ter visto as imagens "deste homem arrasado", ele manifestou a sua compaixão com o ex-ditador, "tratado como um animal" pelos americanos.

A porta-voz da Anistia Internacional, Nicole Choueiry, condenou os crimes da ditadura iraquiana, ponderando, todavia, que uma aplicação da pena de morte contra Saddam Hussein não serviria para ressuscitar as suas vítimas.

O que mais indignou o autor de "Um coração para Saddam" foram as manifestações dos chefes de governo da Suécia, Göran Persson, e da Alemanha, Gerhard Schröder. O sueco sugeriu que, depois de condenado por um tribunal internacional, o ex-ditador deveria cumprir a sua pena na Suécia, "provavelmente em regime semi-aberto, juntamente com delinqüentes juvenis submetidos a programas de ressocialização", ironizou o jornalista.

O social-democrata Gerhard Schröder também se declarou um adversário da pena de morte, como "uma posição de princípio". A propósito, o autor de "Um coração para Saddam" perguntou por que ele não disse a mesma coisa durante a sua visita à China, onde foram executadas em 2002 mais de mil pessoas, cuja maioria era de "pequenos vigaristas, se comparadas com o ex-ditador".

Apresentação humilhante?

- O jornalista lembra que, logo depois da captura de Saddam Hussein, dentro de um buraco perto de sua cidade Trikrit, âncoras famosos de emissoras de TV alemãs perguntaram, ao vivo, se não seria humilhante a maneira como os americanos apresentaram o seu prisioneiro mais proeminente. O filósofo e analista Horst-Eberhard Richter também considerou "humilhante a maneira como os Estados Unidos apresentaram a sua presa ao mundo". E o jornalista da Der Spiegel concluiu que, quanto mais apareciam as filmagens da operação cata-piolho na cabeleira desalinhada e suja de Saddam Hussein, mais rapidamente esfumava-se na percepção dos telespectadores a imagem do ditador sanguinário que ele foi.