Saga de delator gera tensão diplomática entre EUA, Rússia e China
24 de junho de 2013A fuga do ex-consultor técnico da Agência Nacional de Segurança (NSA) Edward Snowden está tomando cada vez mais contornos de um drama político e diplomático. Após a sua suposta viagem de Hong Kong para Moscou, não se sabe ao certo o paradeiro do delator do programa americano de espionagem de dados Prism, cuja extradição é exigida pelos EUA.
A agência de notícias russa Interfax assegurou que, ao contrário do anunciado, o antigo consultor da NSA não embarcou no avião que partiu nesta segunda-feira (24/06) com destino a Cuba. "Edward Snowden não está no avião, ele não vai nesse voo", declarou uma fonte policial citada pela Interfax.
O avião da Aeroflot levantou voo do Aeroporto Sheremetyevo, de Moscou, às 14h15 (horário local). Outra agência de notícias russa, a Ria-Novosti, afirmou igualmente que os numerosos jornalistas que se encontravam no avião não viram Snowden dentro do aparelho.
Citando uma fonte norte-americana, a agência Interfax afirmou que as autoridades dos EUA poderiam obrigar o avião da companhia russa Aeroflot a aterrissar em seu território caso ele transportasse o antigo colaborador da NSA para Cuba.
Segundo essa fonte, "por considerações de segurança civil ou necessidade militar e com base nas normas internacionais vigentes, cada Estado pode exigir a aterrissagem de qualquer aeronave que esteja na sua zona de responsabilidade de controle aéreo sobre seu território."
O avião da Aeroflot que realiza o voo regular entre Moscou e Havana costuma passar por uma zona da responsabilidade dos serviços de controle aéreo de Nova York. No domingo, Snowden teria deixado Hong Kong rumo a Moscou, apesar de Washington ter pedido a sua detenção e extradição.
Estados Unidos decepcionados
Nesta segunda-feira, os Estados Unidos consideraram "muito decepcionante" que o ex-consultor da CIA tenha conseguido viajar de Hong Kong para Moscou e advertiram a China e a Rússia de consequências no relacionamento bilateral.
"Será obviamente decepcionante se ele foi intencionalmente autorizado a embarcar num avião", afirmou o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, em Nova Déli, ao responder a uma questão sobre o papel da China na alegada fuga de Snowden de Hong Kong para Moscou.
Questionado sobre o papel da Rússia, Kerry instou as autoridades russas a "respeitar os critérios da lei no interesse de todos." Nos últimos dois anos, afirmou Kerry, os EUA transferiram sete detidos para a Rússia a pedido do governo em Moscou, "por isso penso que a responsabilidade e a aplicação da lei são muito importantes".
Segundo um porta-voz da Casa Branca, o governo americano acredita que Snowden esteja em Moscou e está tentando a extradição junto às autoridades russas.
Assange: "Snowden está são e salvo"
Aparentemente, Snowden deixou Hong Kong pouco antes de os Estados Unidos terem cancelado seu passaporte. Ele teria se encontrado com diplomatas equatorianos no aeroporto da capital russa e preenchido um formulário de asilo.
Desde que deixou Hong Kong, Snowden não foi visto nem fotografado. Passageiros do avião que deixou Hong Kong rumo a Moscou não souberam dizer se ele estava a bordo.
Os Estados Unidos haviam encaminhado um pedido de extradição às autoridades de Hong Kong, mas este foi negado por não estar de acordo com a legislação local. O Departamento de Justiça rejeita essa alegação, afirmando que o pedido preenche todos os requisitos expressos no tratado de extradição entre os EUA e Hong Kong.
O porta-voz da Casa Branca disse que o governo dos EUA não acredita que a decisão de Hong Kong tenha motivos técnicos e afirmou que ela tem um impacto negativo nas relações entre os EUA e a China.
Enquanto isso, o ministro do Exterior do Equador, Ricardo Patiño, confirmou nesta segunda-feira o pedido de asilo do ex-consultor técnico. Patiño, que fez o anúncio através de videoconferência a partir de Hanói, onde se encontra em viagem oficial, disse que Snowden justificou o pedido de asilo com o "perigo de perseguição" por parte das autoridades dos Estados Unidos.
Na coletiva de imprensa, Patiño afirmou que o Equador estaria considerando o pedido de asilo com base na "nossa Constituição, em políticas internacionais e na nossa soberania." O Equador tem se tornado local de refúgio para delatores da internet. Há cerca de um ano, o fundador da plataforma Wikileaks, Julian Assange, fugiu para a Embaixada do Equador em Londres.
Tanto Assange quanto Snowden são procurados pelas autoridades dos EUA, acusados de violação de sigilo e espionagem. Nesta segunda-feira, foi o próprio Assange que deu notícias de Snowden. Por telefone, o fundador do Wikileaks afirmou que Snowden e sua acompanhante, a jornalista britânica Sarah Harrison, estariam "são e salvos". Assange não se manifestou sobre o paradeiro de Snowden e afirmou não poder dar mais informações.
Críticas ao Equador
Ao mesmo tempo em que o Equador tem se tornado um refúgio para especialistas de internet, que em nome da liberdade de expressão divulgam documentos secretos, o presidente equatoriano, o esquerdista Rafael Correa, tem sido criticado duramente pelo tratamento dado à mídia de seu país.
Nesta segunda-feira, a organização Repórteres Sem Fronteiras (RFS) censurou duramente o governo equatoriano devido a violações da liberdade de imprensa. Segundo a organização, o pedido de asilo de Snowden coloca o país sul-americano mais uma vez como defensor da liberdade de expressão, diante dos olhos da opinião pública mundial.
A RSF afirmou que Correa teria todos os motivos para "olhar para o próprio umbigo." Há alguns dias, o presidente assinou uma nova lei de imprensa, que amplia consideravelmente as possibilidades de intervenção do Estado no trabalho de jornalistas, denuncia a ONG. Ele já tem obstruído o trabalho da mídia independente com intimidações sistemáticas, informou a organização.
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