Rap imigrante
25 de dezembro de 2006"Não entendo por que ela usa um lenço na cabeça", diz o texto de uma das músicas da rapeira Sahira, uma berlinense de 27 anos e origem palestina. Com seus olhos grandes e atentos, vestindo jeans, top e hijab (um véu muçulmano), ela é uma das mais bem sucedidas cantoras de hip hop da Alemanha.
Mas, até há alguns anos, Sahira não usava véu. Foi o 11 de setembro de 2001 que mudou tudo. Chocada pelo modo como a fé islâmica passou a ser retratada como uma religião terrorista e como muçulmanos em geral viraram automaticamente suspeitos, ela decidiu consultar o Alcorão em busca de seu próprio julgamento e gostou do que leu, atraída justamente por sua espiritualidade e filosofia pacífica – aspectos raramente mencionados nos meios de comunicação.
Passou a rezar cinco vezes ao dia, até que, em novembro de 2003, decidiu sair pela primeira vez em público usando um véu para esconder os cabelos – por decisão própria, como faz questão de explicar em suas letras: "Para mim, isso significa liberdade. É a minha cabeça, meu cabelo, sou eu. Só meu marido me vê como sou de verdade, pois é assim que eu quero".
Interpretações distintas
Sahira vem de uma família de oito pessoas. Seus pais valorizaram muito a educação dos filhos e fizeram questão de que todos aprendessem alemão perfeitamente. Trata-se de um bom exemplo de como o Islã e a prática religiosa podem ser interpretados diferentemente: enquanto algumas irmãs só saem de véu, sua mãe e outras irmãs não o usam. E o fato de Sahira ser mãe solteira não é motivo de vergonha, mas para estar sempre a seu lado e ajudá-la.
O recente e polêmico debate na Europa a respeito do uso do véu a decepcionou. Sahira esperava um pouco mais de tolerância e guarda ainda certa indignação pelo fato de o adereço ser visto como símbolo da opressão feminina. Ela considera errado que certas pessoas, sejam elas religiosas ou não, usem a política para proibir mulheres de usar o véu, como pleiteou recentemente a política Ekin Deligöz, do Partido Verde alemão.
"Também não gostaria que as mulheres fossem obrigadas a usar o véu. Em geral, sou contra essa ditadura", criticou.
Sem problemas na cena
Nos cerca de dez anos em que faz rap, Sahira nunca teve problemas em usar o véu na cena local. Desde o começo da carreira, sempre teve a impressão de que seus colegas a respeitavam pela música que fazia. Ela usou o véu até quando gravou uma música com Bushido, um dos mais famosos e controversos rapeiros alemães, e nem assim encontrou resistência. Pelo contrário: sentiu que era tratada com respeito por ter a coragem de usá-lo.
Mas, ao contrário de muitos artistas do sexo masculino, exaltação da violência e machismo não fazem parte de seu vocabulário. Em suas letras, ela fala das coisas que acontecem à sua volta – da falta de perspectiva da juventude alemã, do conflito de gerações e, antes de mais nada, da questão das raízes.
Em casa… quase em casa
Berlim é sua casa – pelo menos é o que canta em suas músicas. O que não significa que ela feche os olhos para os problemas que imigrantes e filhos de imigrantes – como ela – sofrem na cidade. "Casa para mim é um lugar onde eu não cause nenhuma ofensa e possa me sentir inteira", argumenta.
"Eu sonho em alemão, penso em alemão e, quando estou entre árabes, também me sinto um tanto alemã, mas há algo de diferente. É estranho que não seja possível se estabelecer aqui de vez, ver gente como você na mídia".
Por isso, Sahira tenta ser ela mesma uma espécie de exemplo para os mais jovens, sejam eles ou não de origem estrangeira, para mostrar que uma muçulmana praticante pode ser tão emancipada e segura de si quanto qualquer outra mulher.