Sangue, punk no cinema mudo e Bob Wilson em primeira pessoa
14 de fevereiro de 2006Com direção de Katharina Otto-Bernstein, o documentário Absolute Wilson foi extremamente concorrido em Berlim. Entradas esgotadas e filas quilométricas às portas dos cinemas.
Apesar de acusado pela imprensa local de reverenciar "Bob" em excesso e de ter sido editado de forma absolutamente cronológica e convencional, o filme da alemã radicada em Nova York vale a pena ser conferido por qualquer um que se interesse pela obra de Wilson.
Com depoimentos de Susan Sontag, Phillip Glass, David Byrne e Tom Waits, entre outros, o filme começa com as idas dominicais à igreja do menino tímido no Texas, que mal conseguia falar na escola ("Eu era uma criança complicada, com poucos amigos").
Entre um pai autoriário – que mais tarde manifestaria o desejo de "curar" o homossexualismo do filho – e uma mãe "bela, inteligente e distante, com a qual não havia nenhuma espécie de comunicação", segundo o próprio filho.
Apesar da edição convencional, o interessante de Absolute Wilson é deixar o diretor falar em primeira pessoa, relembrando a libertação do conservadorismo do Texas, a graduação em Arquitetura, os primeiros encontros com John Cage e "a maior educação de todas, que foi viver em Nova York".
Entre um e outro depoimento, é possível ver o solo de um Wilson iniciante no palco, em 1967, e ouvir seu ex-namorado relembrar a prisão do diretor na Grécia, quando foi pego com uma pequena quantidade de haxixe no bolso ao deixar o país. Documentadas estão as cartas de Arthur Miller, Merce Cunningham e outros, pedindo a libertação do diretor.
Depois de passar detalhadamente pelo trabalho incessante de Wilson nos anos 70, o documentário registra de forma bem menos abrangente seu perfil de workaholic nos 80 e 90, sempre com mais de dez projetos sendo desenvolvidos ao mesmo tempo em vários cantos do mundo.
"Ele nunca descansa. Sua agenda é um pesadelo", confessa o estressado assistente. Enquanto o próprio Wilson diz, apesar de tudo, se sentir ligado "às minhas raízes nos EUA. Embora trabalhe no mundo inteiro, falo apenas inglês".
"É lixo, e daí?"
O filme (com formato extraordinário, de 40 min) Digging for Belladona, dirigido pela atriz alemã Franka Potente, tem sido outro ponto de atração do Festival de Berlim. O roteiro, que a princípio até poderia ser interessante, desloca um punk dos dias de hoje para um filme mudo, que se passa em 1918, data do fim da Primeira Guerra Mundial.
Enquanto o jovem de jaqueta de couro e cabelos espetados pode ser ouvido normalmente, os outros personagens têm suas falas inseridas em texto entre uma tomada e outra. Até aí, tudo bem. O problema é que, a partir do momento em que a jovem de 1918 se apaixona pelo punk urbano de hoje, o roteiro de Franka Potente definitivamente degringola.
Em entrevista à rede de televisão franco-alemã Arte, a diretora assumiu: "Eu quis fazer um filme trash, um B movie. E daí?". Realmente, e daí, mas só quando se é Franka Pontente. Com direção de algum nome desconhecido, o filme definitivamente não teria acabado nas telas de um festival como o de Berlim.
Bangue-bangue australiano
O roteiro e a trilha são de Nick Cave, que já passou anos vivendo em Berlim e participou até do antológico Asas do Desejo, de Wim Wenders. Por essas e por outras, o western The Proposition, do diretor John Hillcoat, atraiu também uma leva de espectadores.
Teoricamente, o filme deveria ser um "anti-western". A questão é descobrir, depois de vários cadáveres sendo degolados e litros e mais litros de sangue, o que é "anti" na história.
Talvez a inexistência do "mocinho", num cenário em que todos os lados se mostram inescrupulosamente bandidos. Restando um mínimo de ética apenas na única personagem feminina, que acaba, na última cena, sendo violentada na frente das câmeras.
É possível que tudo seja uma parábola da história da colonização da Austrália (o filme se passa em 1880) e das tentativas, segundo os gângsteres inescrupulosos de plantão, de "civilizar essas terras". A fórmula escolhida pelo diretor John Hillcoat e pelo roteirista Nick Cave para elaborar esses traumas da história, porém, pecou defintivamente pelo exagero na dose de sangue derramado.