Sarkozy na África
28 de julho de 2007"Descomplexar" é mais um desses termos abstratos e herméticos. "Significa: poder falar sem complexos sobre o futuro da França e da África", explica Wolfram Vogel, do Istituto Teuto-Francês de Paris. Segundo ele, o presidente francês Nicolas Sarkozy viajou à África para falar sobre maneiras razoáveis de se fazer uso da ajuda ao desenvolvimento. Abertamente e absolutamente sem complexos, disse Vogel.
"Quem é que deve se livrar de complexos? A França ou a África? Estas são palavras vazias", criticou o jornalista e escritor senegalês Abdou Latif Coulibaly. Mesmo na França houve críticas: "Sarkozy age de forma desonesta ao dar lições aos africanos de como lidar com a ajuda ao desenvolvimento e ao mesmo roubar sua inteligência ao promover uma política de imigração dirigida", comunicou o Partido Socialista (PS) francês.
Muitos africanos que desfrutam de uma boa formação acadêmica aproveitam as chances de imigrar para a França, o que leva a uma falta de médicos, engenheiros e outros profissionais em seus países de origem.
Mas, segundo Vogel, mesmo que lhe acusem de um fundo moralizante, Sarkozy almeja apenas que a África assuma mais responsabilidade por si mesma. "Ele quer dizer que a colonização certamente não foi uma coisa boa, mas que ela não é a causa de todas as irregularidades no continente africano."
Dupla moral
Na quinta-feira (26/07), Sarkozy sugeriu na capital senegalesa Dakar que a África e a França "deveriam começar uma parceria renovada e não matutar sobre o passado colonial". Em vez disso, reivindicou um maior engajamento pela boa governança.
No entanto, tal reivindicação soa cínica se levar-se em consideração o fato de que Sarkozy estava de partida para o Gabão, um país governado há 40 anos pelo mesmo presidente e cujas forças de segurança agem com brutalidade contra a oposição. Sarkozy, no entanto, parece se entender perfeitamente com seu homólogo, o presidente Omar Bongo, tendo sido um dos primeiros a lhe cumprimentar quando este fora reeleito em maio último.
As riquezas minerais do país – petróleo, gás natural e manganês – parecem desempenhar um papel fundamental. "Neste caso, estão em jogo interesses franceses tão manifestos que não vejo a possibilidade de que a problemática dos direitos humanos possa passar ao primeiro plano", disse Stefan Brüne, do Instituto de Estudos Africanos em Hamburgo.
Segundo ele, fechar os olhos para questões de direitos humanos em países africanos para se beneficiar de interesses geopolíticos já se tornou uma prática francesa recorrente. O polêmico acordo para construção de um reator nuclear na Líbia não é nenhuma exceção. Afinal, a Líbia pode ainda ser tida como uma ditadura, mas possui petróleo e gás natural, tal como o Gabão.
De amigo a inimigo
Mesmo que Sarkozy fale de uma "ruptura", uma descontinuidade da política dos últimos anos, muitos africanos vêem o novo presidente francês com ceticismo. "Não reconheço nenhuma alteração visível na política de Sarkozy em relação à África. É o mesmo de sempre. ´São sempre os interesses franceses que determinam a política da França na África e nunca o contrário", disse Abdou Latif Coulibaly.
"Em Dakar, Sarkozy é o amigo dos africanos. Em Paris, os estigmatiza e expulsa. Ele promete uma 'Euráfrica', enquanto o que ele de fato quer é transformar a Europa numa fortaleza dos países ricos", disse o secretário-geral dos socialistas franceses, o argelino Faouzi Lamdaoui.