Sem recursos, cristãos combatem EI
15 de outubro de 2014Mrayma Mansur aparenta nervosismo, ao liderar a patrulha noturna dos cristãos assírios na cidade de Alqosh, no norte do Iraque. Ele traz um punhal no cinto do uniforme de combate, o verde de suas pupilas contrasta com os olhos vermelhos de exaustão. Ao seu redor, os homens de sua patrulha estão sentados, portando armas obsoletas e bebendo chá adoçado. A palavra "traição" circula pela roda.
Quando os combatentes curdos peshmerga se retiraram, diante do avanço do "Estado Islâmico" (EI) sobre as cidades cristãs, no início de agosto, Mrayma e seus homens permaneceram. Eles não sabiam se Alqosh também seria atacada. As milícias sunitas se encontravam a apenas poucos quilômetros ao sul. Quase todos os moradores da cidade fugiram, temendo o pior. "Tínhamos 70 ou 80 homens, que ficaram para trás e mantiveram guarda nas montanhas", lembra o combatente.
A partir das colinas onde se ergue a cidade assírio-cristã de 6 mil habitantes, vê-se a planície de Nínive. Hesitantes, algumas famílias de Alqosh ensaiam agora um retorno, enquanto os peshmerga voltam a seus postos na frente de batalha, a apenas 15 quilômetros de distância. Um lojista solitário vigia seu negócio, no bazar cujas lojas estão fechadas a tábuas e pregos.
O toque vespertino dos sinos da igreja e alguns carros isolados quebram o silêncio de vez em quando. O mosteiro Rabban Hormizd, do século 7°, construído no penhasco acima da cidade, encontra-se fechado por considerações de segurança.
Perigo sem os peshmerga
Na cidade ainda reina a incerteza. Entre Alqosh e a frente de batalha, pouco antes da cidade de Tel Isqof, os peshmerga ocupam alguns postos de controle. De seu mirante, Mrayma observou os guerrilheiros curdos se retirarem. "Vi carros e tanques partindo de Tel Isqof, rumo a Dohuq. Dissemos então às nossas famílias que aqui não era mais seguro para elas."
Com seus uniformes de camuflagem e carros enferrujados, os combatentes cristãos estão agora decididos a proteger sua querida cidade. Mas sabem que, contra o EI, eles não têm a menor chance. "Se os peshmerga nos deixarem, o pessoal do EI vai nos matar", prevê Mrayma.
Hemin Havrami, chefe do departamento de relações públicas do Partido Democrático Curdo, afirma que o EI está mais bem armado do que os peshmerga. O Movimento Democrático Assírio conta com cerca de cem combatentes, além de 2 mil voluntários dispostos à luta e homens ligados a diferentes partidos cristãos. As armas são compradas por particulares ou chegam através dos apoiadores do movimento, dizem seus líderes, que esperam um ataque a qualquer momento.
Um vilarejo contra o EI
Enquanto antigas orações sírias são recitadas na Igreja de São Jorge local, o diácono Vadhah Sabih sussurra: "Ao longo dos séculos, defendemos Alqosh contra muitos inimigos. Mas agora não podemos nos defender. Se nem o Exército consegue enfrentar o EI, como um único vilarejo conseguirá? O EI passou para o lado do diabo."
Os cristãos estão irados por terem sido expulsos de sua terra natal. O dia 10 de agosto foi o primeiro domingo em séculos, em que os sinos da Igreja de São Jorge não tocaram, relata Vadhad à Deutsche Welle. Antes de 2003, estima-se que 1,5 milhão de cristãos viviam no Iraque, agora são cerca de 400 mil, muitos dos quais querem deixar o país.
Ao redor da planície de Nínive, na intersecção entre o Iraque curdo e o árabe, já houve muitas lutas. Mas quando o "Estado Islâmico" impôs sua superioridade, os representantes de minorias éticas e religiosas sentiram medo de verdade.
Após os massacres e a expulsão generalizada dos yazidis, um novo grupo de defesa daquela minoria étnica se reuniu ao redor da cidade de Sinjar. Lá, "os yazidis não confiam em nenhum estranho, quando se trata de defesa", segundo Yakub Yago, do Movimento Democrático Assírio, "eles querem fazer sua própria defesa. Não queremos dividir o Iraque. Queremos tomar as nossas próprias decisões em nossas regiões."
A vida nas próprias mãos
Todo o norte do Iraque está devastado. Aqueles que permanecem, não confiam em ninguém para protegê-los. Políticos cristãos afirmam que outras minorias na planície de Nínive também deveriam assumir a própria defesa, entre elas, os yazidis. Mas é pouco provável que os diferentes grupos consigam derrotar os combatentes do EI.
Eles precisam de apoio e pediram armas, treinamento e coordenação tática a Bagdá e à capital regional, Erbil. Também apelaram por assistência do exterior, na forma de uma zona de proteção. Mrayma fala por muitos de seus compatriotas cristãos, ao dizer que, se seu povo não receber nenhuma ajuda internacional, "vou pegar meu passaporte e ir para outro país com a minha família, pois aqui não será mais seguro".
Ao anoitecer, os combatentes assírios continuam a manter a defesa da cidade. Ali, os sinos tocam novamente. Hoje uma criança será batizada. Os habitantes da cidade perderam a confiança em seus protetores. Mas o pior de tudo é: eles ainda não sabem em quem poderiam confiar neste conflito.