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Sem citar a Rússia, UE e Celac condenam guerra na Ucrânia

18 de julho de 2023

Dentre as 60 nações presentes na cúpula em Bruxelas, Nicarágua foi o único país a se opor a texto que manifesta preocupação com o conflito.

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Cinco pessoas em púlpitos em um palco
Encontro em Bruxelas reuniu 60 países da América Latina e da EuropaFoto: Johanna Geron/REUTERS

Após quase uma semana de negociações intensas nos bastidores, a primeira cúpula UE-Celac em oito anos chegou ao fim nesta terça-feira (18/07) em Bruxelas, na Bélgica, com uma declaração condenando a guerra na Ucrânia. O texto, porém, não cita a Rússia e não foi aprovado por unanimidade.

Na contramão dos outros 59 países presentes no encontro, a Nicarágua – governada por Daniel Ortega e cujo regime autoritário mantém estreitas relações com a Rússia de Vladimir Putin – se opôs mesmo à mais branda formulação do texto.

Nem mesmo Cuba e Venezuela, que tradicionalmente antagonizam com a diplomacia ocidental, adotaram posição semelhante.

"Com exceção da Nicarágua, todos os países, de Lituânia à Cuba, acordaram um texto comum onde manifestaram preocupação sobre a guerra da Rússia contra a Ucrânia", afirmou o primeiro-ministro português, António Costa.

Pelo rito diplomático, a declaração precisa ser aprovada por unanimidade. Por causa disso, a saída, segundo fontes europeias consultadas pela agência de notícias Lusa, foi emitir a declaração em nome dos presidentes do Conselho Europeu, Charles Michel, e da Celac, Ralph Gonsalves. 

O Ministro das Relações Exteriores do Chile, Alberto van Klaveren, lamentou a postura nicaraguense e referiu-se à guerra como um ato de agressão contra a Ucrânia.

"Sentimos muito pela situação. De fato, estamos muito surpresos que haja membros do nosso grupo que se oponham a qualquer resolução pertinente a essa guerra", afirmou.

Venezuela e Cuba, apesar de endossarem a declaração dos líderes da UE e da Celac, também teriam se oposto a uma condenação explícita dos russos pela "realidade" – nas palavras do primeiro-ministro de Luxemburgo, Xavier Bettel – que é a invasão da Ucrânia.

Canel e Scholz, lado a lado, ambos de terno escuro
Presidente de Cuba, Miguel Diaz-Canel, ao lado do chanceler federal da Alemanha, Olaf ScholzFoto: Geert Vanden Wijngaert/AP Photo/picture alliance

Guerra na Ucrânia é tema indigesto

O apoio enfático dos 27 Estados-membros da UE à Ucrânia colidiu com a abordagem mais reticente preferida por representantes dos 33 países da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) – muitos dos quais, sob o argumento da neutralidade, rejeitam um alinhamento automático ao Ocidente nessa questão.

É o caso do Brasil, que endossou duas resoluções nas Nações Unidas condenando a Rússia pela guerra, mas tem se recusado a enviar sinais mais enfáticos de reprovação contra Putin. No passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi criticado por declarações ambivalentes e por equiparar responsabilidades no conflito.

O clima nos bastidores da cúpula acabou azedando por divergências sobre a Ucrânia – tema que, afinal, deveria ter tido papel marginal no encontro.

Em Bruxelas, Lula fez um discurso na segunda-feira em que argumentou que o Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU) – no qual o Brasil pleiteia um assento – não atende aos atuais desafios à paz e à segurança globais. A Rússia detém uma cadeira permanente no colegiado e tem, portanto, poder de veto sobre suas decisões.

"Seus próprios membros não respeitam a Carta da ONU. Em linha com a Carta das Nações Unidas, repudiamos veementemente o uso da força como meio de resolver disputas", afirmou Lula, no que poderia ser lido também como uma censura velada a Putin.

O presidente, contudo, reiterou a posição brasileira de não endossar sanções e bloqueios não aprovados pelo Conselho de Segurança.

"Os Estados-membros da UE podem ter uma preocupação compreensível com a situação da Ucrânia, mas esta cúpula não deve se tornar outro campo de batalha inútil sobre discursos a respeito dessa questão, que foi e continua sendo abordada em outros fóruns mais relevantes", desconversou Gonsalves, ao falar em nome da Celac.

Pressionada justamente pela guerra na Ucrânia, mas também pela intensificação da crise climática, a UE busca se reaproximar de parceiros dos quais andou afastada nos últimos anos – não só por iniciativa própria, já que países da América Latina e do Caribe também andaram às voltas com suas próprias crises domésticas nos últimos anos.

Belgien  EU CELAC Gipfeltreffen in Brüssel
Lula fez discurso na cúpula na segunda-feiraFoto: Vanden Wijngaert/ASSOCIATED PRESS/picture alliance Geert

Líderes latinos trazem outros temas à mesa

A pedido de países latinos, UE e Celac também incluíram na declaração final um parágrafo no qual a Europa reconhece e lamenta "profundamente" o "incalculável sofrimento infligido a milhões de homens, mulheres e crianças como resultado do comércio transatlântico de escravos". Segundo o texto, a escravidão foi um "crime contra a humanidade".

Quanto às mudanças climáticas, enquanto, de um lado, a UE acenou com um pacote de 45 bilhões de euros em investimentos para impulsionar a transição ecológica e digital; de outro, líderes latino-americanos e caribenhos expuseram suas críticas.

"A maior parte da Europa foi e ainda é predominantemente beneficiária de uma relação em que a nossa América Latina e o nosso Caribe foram subjugados de forma desigual", declarou Gonsalves.

Já Lula criticou a manutenção de padrões de consumo incompatíveis com a atual crise ambiental global e o aprofundamento das desigualdades sociais, lembrando os países desenvolvidos de promessa, feita em 2009, de destinar 100 bilhões de dólares por ano para os países em desenvolvimento a título de compensação pela crise climática.

Ainda nesta terça, o Palácio do Planalto divulgou nota conjunta endereçada ao governo da Venezuela pedindo a retomada do diálogo e da negociação sobre as próximas eleições, que devem ser "justas para todos, transparentes e inclusivas (...) de acordo com a lei e os tratados internacionais em vigor, com acompanhamento internacional". O texto também pleiteia a suspensão de sanções contra o país.

O texto é assinado também pelos presidentes Emmanuel Macron (França), Gustavo Petro (Colômbia) e Alberto Fernández (Argentina), e pelo Alto Representante da União Europeia para Relações Exteriores e Política de Segurança, Josep Borrell. O grupo se reuniu na segunda com a vice-presidente da Venezuela, Delcy Rodrigues, e o representante da oposição no país, Gerardo Blyde. 

A Venezuela tem asfixiado opositores e, recentemente, inabilitou politicamente um dos principais nomes da oposição, María Corina Machado, atual favorita na disputa pelo governo venezuelano, além de ter anunciado a intenção de vetar observadores da UE na eleição de 2024.

Nesta terça, Lula tomou café da manhã com políticos progressistas da UE e teve encontros bilaterais com o primeiro-ministro sueco, Ulf Kristersson, o chanceler federal austríaco, Karl Nehammer, a primeira-ministra dinamarquesa, Mette Frederiksen, e o chanceler federal alemão, Olaf Scholz.

ra/le (AFP, AP, Lusa, ots)