Sem recursos hídricos, Malta tem que dessalinizar água do Mediterrâneo
21 de maio de 2014Diante do Parlamento em Valeta, um chafariz jorra água ao alto. À noite, ele é iluminado e, às vezes, ouve-se música ao fundo. Parece um desperdício, pois Malta, segundo as Nações Unidas, é um dos países mais carentes de água no mundo. Normalmente chove apenas no inverno. Lagos e rios não existem, e os lençóis de água subterrânea são escassos na ilha.
Uma das saídas é o Mar Mediterrâneo. "Na verdade, temos que produzir água do nada", comenta Steven Zerafa, porta-voz da empresa estatal que opera uma usina de dessalinização próxima ao povoado de Pembroke.
Em Pembroke, chegam a ser dessalinizados no verão europeu mais de 35 mil metros cúbicos de água do mar por dia, o que demanda diariamente 100 mil quilowatts de energia elétrica. O processo garante que a população esteja abastecida. "Não há crise. A água não é barata, mas as pessoas têm acesso a ela", completa Zerafa.
O hidrólogo Marco Cremona vê como problemática a alta dependência de Malta das custosas usinas de dessalinização. Cerca de 70% da água da ilha são obtidos por meio desse processo. Malta costumava ter cisternas e poços, mas, com o crescimento populacional, a grande quantidade de turistas e o crescimento da agricultura, essas fontes já não são suficientes.
A Ordem dos Cavaleiros de Malta, que ergueu a cidade de Valeta, estabeleceu regras rígidas. Cada casa deveria ter uma cisterna para coletar águas pluviais. Na teoria, isso ainda vale, mas na prática, a densidade populacional de Malta leva muitas residências a não terem meios de coletar água.
"Se tivéssemos cisternas, dois problemas seriam resolvidos", sustenta Cremona. "Não seríamos mais tão dependentes das usinas de dessalinização nem dos lençóis subterrâneos. E seria uma ajuda contra as enchentes que costumam assolar Malta durante os invernos."
Agricultura: maior consumidora
Cremona diz que as cisternas são apenas uma das saídas para a falta de água. Outra solução técnica pode ser vista numa fazenda nas proximidades de Valeta. Em todo o mundo, a agricultura responde em média por 70% da água consumida, e em Malta não é diferente. São 28 milhões de metros cúbicos, explica o professor Malcom Borg, que dá aulas a futuros agricultores.
"Essa é uma quantidade enorme, se considerarmos que todos os anos necessitamos de 25 milhões de metros cúbicos dos lençóis freáticos", observa. Seu pai, que não sabe ler e conhece a internet apenas de ouvir falar, inventou um sistema que permite cultivar frutas e vegetais utilizando quantidades bem menores de água.
Em estufas amplas, as plantas crescem em níveis diferentes, nem sempre plantadas na terra. Com mangueiras de máquina de lavar e tubulações, ele montou um sistema onde a água circula. Dessa forma, eles reduziram o consumo de água da fazenda em 80%. Até agora, apenas dois outros fazendeiros copiaram o sistema.
Cremona defende que os consumidores devem mudar a maneira como utilizam a água. Ele mesmo serve como exemplo, já que possui uma cisterna em sua própria casa. A água da chuva que cai em seu telhado é utilizada, por exemplo, para as descargas dos banheiros.
Ele explica que entre 40% e 50% da água que se utiliza em casa pode ser da chuva, reaproveitada nas descargas dos banheiros, máquinas de lavar, limpeza, lavagem de carros e para jardinagem. Para esses fins, não há necessidade de água potável.
Malta já utiliza menos água do que a média de consumo da Europa. O consumo caiu significativamente nos últimos 20 anos em razão de alguns truques simples. Ao se abrir a torneira, por exemplo, a água sai com baixa pressão - quando a pressão das tubulações é alta, pode resultar em vazamentos.
Marco Cremona defende que o Estado deve atuar para regular ainda mais o consumo, incentivando a população a utilizar menos água. Ele próprio já provê 80% da água que utiliza.