1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Rússia aprova revogação de tratado que bane testes nucleares

25 de outubro de 2023

Projeto de lei abandona ratificação de tratado global que ajudou a desestimular testes atômicos. Aprovado pelo Senado, texto vai agora para sanção de Putin, que incentivou revogação.

https://p.dw.com/p/4Y22M
Míssil intercontinental durante desfile em Moscou
Míssil intercontinental durante desfile em Moscou. Juntos, Rússia e EUA possuem 90% de todas as ogivas nucleares do mundoFoto: Getty Images/AFP/N. Kolesnikova

O Senado da Rússia concluiu nesta quarta-feira (25/10) a aprovação de uma lei que abandona a ratificação do tratado global que proíbe testes de armas nucleares, num momento de tensão do país com os Estados Unidos.

O vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Ryabkov, disse que seu país não pretende retomar a discussão de questões nucleares com os EUA, a menos que Washington abandone o que classificou como política "hostil". Os dois países estão em lados opostos na guerra de agressão lançada pela Rússia contra a Ucrânia, com os EUA apoiado Kiev com armas e ajuda financeira.

O projeto de lei para retirar a ratificação do Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares (CTBT) foi aprovado por 156 votos a zero no Senado da Rússia, depois que a Duma (câmara baixa) também o aprovou por unanimidade. Agora, o projeto de lei segue para sanção do presidente Vladimir Putin.

Putin havia solicitado a mudança para "espelhar" a posição dos Estados Unidos, que assinaram o CTBT em 1996, mas nunca o ratificaram.

A Rússia afirma que não retomará os testes a menos que Washington o faça, enquanto especialistas em controle de armas dizem que um teste da Rússia ou dos Estados Unidos poderia desencadear uma nova corrida armamentista – e mais testes de outros países – num momento de grande tensão mundial, com guerras na Ucrânia e no Oriente Médio.

A rede CNN publicou imagens de satélite no mês passado mostrando que a Rússia, os Estados Unidos e a China expandiram seus locais de testes nucleares nos últimos anos.

 CTBT ajudou a tornar os testes nucleares um tabu

Assinado em 24 de setembro de 1996, o CTBT é um dos últimos acordos armamentistas internacionais que a Rússia ainda considerava vinculativo. Colocá-lo em questão foi uma ideia apresentada pessoalmente pelo presidente Putin e acatada pelo presidente da Duma, Vyacheslav Volodin.

Juntos, Rússia e EUA possuem 90% de todas as ogivas nucleares do mundo. Ao contrário de Washington que só assinou o tratado, em 2000 Moscou também ratificou o documento em seu parlamento nacional, frisa o especialista em assuntos nucleares Pavel Podvig, do Instituto das Nações Unidas para Pesquisa de Desarmamento.

Apesar de o tratado nunca ter entrado oficialmente em vigor, desde a década de 1990 as grandes potências nucleares China, EUA, França, Reino Unido e Rússia respeitam a moratória. Também a Índia e o Paquistão suspenderam seus testes desde 1998. "O único dissidente nesse aspecto, por assim dizer, é a Coreia do Norte [não signatária], que já realizou seis testes atômicos", complementa Podvig.

Ele enfatiza que o acordo em questão detém uma alta reputação na comunidade mundial: "Ninguém vai fazer amigos realizando novos testes atômicos. Todas as ideias que estão sendo discutidas na Rússia agora – no espírito de 'Vamos botar medo em todo mundo!' – na prática não devem assustar ninguém. No entanto a condenação vai ser indiscutível."

Por outro lado, o abandono do pacto emite um sinal político e, pelo menos do ponto de vista jurídico, constitui menos uma razão para os russos se aterem à moratória autoimposta, acrescenta.

Tentativa de intimidar os EUA

O especialista nuclear russo Maxim Starchak, do Centro de Política Internacional e de Defesa da Universidade de Queens, no Canadá, disse que não se espantaria se em breve Moscou de fato empreender testes atômicos, mas "até agora não há indícios claros de que a Rússia pretenda fazer tais testes no futuro próximo". Os físicos nucleares não são unânimes quanto à utilidade do procedimento: "Alguns são a favor, outros são contra. Sua reativação vai certamente exigir uma decisão política."

Seja como for, o país dispõe de um território já preparado para esse fim na dupla ilha Novaya Zemlya, no Oceano Ártico, afirma Starchak: "Lá, até onde se sabe, existem três locais onde se pode realizar testes atômicos subterrâneos. Acho que, se a intenção se concretizar, então seria lá. Pois não me passa pela cabeça que essa loucura seja colocada em prática com uma explosão de superfície."

Consenso entre ambos os especialistas é que se deve levar a sério a planejada saída russa do CTBT. Segundo Pavel Podvig, a explosão de uma bomba atômica não faria o menor sentido militar, já que seu único fim seria matar o maior número possível num tempo mínimo. E é preciso ter justamente isso em mente: desse modo a Rússia estaria emitindo o sinal de que está disposta "a matar muita gente, dezenas e centenas de milhares, milhões".

Maxim Starchak está convicto de que a intenção russa de se desligar da moratória global sobre testes nucleares representa um novo passo na escalada da guerra contra a Ucrânia: o Kremlin espera que os EUA reconheçam nessa espiral de violência um perigo real para si e se disponham a reduzir esse perigo cedendo à Rússia e fazendo concessões no contexto da invasão da Ucrânia.

jps (Reuters, DW, ots)