Sistema nacional de transplantes esbarra nas discrepâncias estaduais
1 de junho de 2013O Brasil é o país que mais realiza transplantes gratuitos no mundo – 95% são feitos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O programa nacional é coordenado pelo Ministério da Saúde – com reconhecidos avanços, segundo especialistas – mas diferenças na parte operacional, que cabe a estados e municípios, vêm gerando uma disparidade regional no número de beneficiados.
Enquanto em alguns estados o programa já é aplicado com sucesso, em outros ele ainda está no início de seu desenvolvimento. Em São Paulo, líder nacional, foram realizados 8.585 transplantes em 2012. Já o Rio de Janeiro, apesar de ter a terceira maior população do país, fez apenas 221.
"Em quase metade dos estados brasileiros o programa ainda é muito incipiente. Quem nasce em São Paulo e precisa de transplantes tem mais chances, ou, então, a pessoa precisa migrar para ser transplantado em outros estados", diz o presidente da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (Abto), José Medina Pestana.
No ranking dos transplantes, São Paulo é seguido por Minas Gerais (2.179), Paraná (1.721), Pernambuco (1.678) e Rio Grande do Sul (1.673). Já em toda a região norte foram realizados apenas 613 transplantes em 2012.
"É um sistema que tem se desenvolvido bem nesses últimos cinco anos, mas ainda não está consolidado. Ele depende do apoio do governo estadual e também da motivação de pessoas. Dependendo de quem coordena o programa no estado ele vai melhor ou pior", diz o presidente da Abto.
A coordenação da logística do processo de doação é realizada nas centrais estaduais. Elas são responsáveis por receber as notificações de potenciais doadores, abordar os parentes para pedir a autorização da doação e organizar a retirada dos órgãos e o transplante. Quando não há receptores compatíveis no estado, são procurados pacientes cadastros em outras regiões brasileiras.
O médico lembra que o número de doações está de acordo com a qualidade da aplicação do programa em cada região. O fato de haver menos doadores em alguns estados, afirma, reflete a falta de informação da população sobre o assunto.
"Quando a população brasileira conhece o benefício do transplante, em 70% das vezes autoriza a doação", garante.
Falta de informação
Segundo dados da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (Abto), 27.212 pessoas ainda aguardam por um transplante no país – mais da metade à espera de um rim. No Brasil, a doação de órgãos depende da autorização da família em casos de morte.
"As pessoas que desejam ser doadores devem convencer seus parentes, porque quem vai tomar essa decisão são eles. Quando houve conversa, nós percebemos que os familiares são favoráveis, isso facilita a aceitação", recomenda o coordenador da central de transplantes de São Paulo, Agenor Spallini Ferraz.
Em 1997, entrou em vigor a lei da doação presumida, que tornava todos os cidadãos doadores de órgãos caso não houvesse manifestação contrária registrada na carteira de identidade ou habilitação. A lei, no entanto, foi revogada no ano seguinte.
"Ela foi mal implantada e criou pânico na população. Muitos se declararam não doador. Fizemos um estudo que indicava que daqui a 25 anos não teríamos mais doadores no Brasil e foi pedido para revogá-la", opina Ferraz.
Em 2012, houve um aumento de 2,6% no número de transplantes no país. No total foram realizadas 24 mil cirurgias. O Brasil é o segundo país com o maior número de transplantes de fígado, rim e córnea. Para Ferraz, o sistema de critérios criados para distribuição de órgãos acaba com as possibilidades de favorecimento de pacientes e, dessa forma, cada vez mais pessoas são estimuladas a doarem.
"Em nenhum outro país há um critério de distribuição de órgãos como nós temos. A seleção é rígida, não há como fugir. Esse é o grande diferencial do Brasil. O resultado é o aumentou no número de transplantes e de doadores, porque todo mundo passou a ter confiança no sistema", reforça.
Segundo o presidente da Abto, outro fator importante para os avanços recentes do programa é a remuneração do SUS e fornecimento gratuito de remédios que os pacientes precisam tomar durante toda a sua vida. O sistema nacional criado em 1997, explica, é resultado de investimentos na educação de profissionais e no sistema público de saúde.
"Nos últimos 30 anos um grupo grande de brasileiros foi para o exterior para se formar nessa área, a maior parte estava vinculada a uma universidade. Depois esses profissionais se organizaram e começaram a trabalhar na sociedade civil para estabelecer os conceitos do transplante na cultura da população", afirma Medina.