Snowden prestou enorme serviço ao povo, diz especialista em espionagem
4 de julho de 2013O americano James Bamford escreveu mais livros sobre a Agência Nacional de Segurança (NSA) do que qualquer outro escritor. E, para ele, Edward Snowden não é herói nem vilão, mas prestou nobre e corajoso serviço à sociedade ao revelar ao mundo o megaesquema de espionagem.
Nada na Constituição americana, diz Bamford, permite ao governo acessar dados pessoais dos cidadãos sem uma suspeita razoável. Mas, mesmo assim, Washington tem o maior aparato mundial de espionagem online, não comparável a nenhum outro país. “Os americanos espionam numa escala comparável a uma arma nuclear. Os outros países espionam na escala de um canhão”, afirma.
Deutsche Welle: Em sua opinião, Edward Snowden é um traidor, um herói ou apenas um informante?
James Bamford: Esses são rótulos adequados para alguém como ele. De qualquer forma, ele prestou um enorme serviço ao povo americano. Porque as pessoas não tinham a menor ideia de que o governo tinha acesso às conversas telefônicas numa base diária, pode-se até dizer a cada minuto.
Eu não conheço nenhuma passagem em nossa Constituição que permita ao governo ter acesso, sem uma suspeita razoável, aos meus dados pessoais. Ninguém sabe qual será o destino de Snowden, mas seu comportamento foi nobre e corajoso.
Soubemos a partir dos documentos divulgados por Snowden que a Agência Nacional de Segurança (NSA) espionou a União Europeia e, sobretudo, a Alemanha. O que sabe sobre isso?
Os EUA têm uma relação ambígua com esses países, principalmente com Alemanha e Reino Unido. Por um lado, eles são parceiros. Durante a Guerra Fria, a NSA coordenou a maioria das escutas a partir da Alemanha. E existe uma parceria muito próxima entre a NSA e o serviço alemão de inteligência. Eles trocam muitas informações – sobre temas econômicos, mas também sobre ameaças terroristas.
E há o outro lado: a própria Alemanha é alvo de espionagem. Pode-se dizer que todo cidadão alemão o é. Somente algumas poucas diretrizes protegem os cidadãos americanos em relação à NSA. Na Alemanha, não existe nada que proteja os cidadãos.
As estatísticas divulgadas da NSA mostram que a Alemanha é tão espionada quanto a China e o Iraque. Os EUA veem a Alemanha como um inimigo?
O público americano certamente não vê os alemães como inimigos. Mas talvez a NSA tenha outra visão das coisas. A NSA vive num mundo muito próprio, que quase nunca tem a ver com o mundo real. Eles vivem num casulo. Escrevi três livros sobre o tema, mais do que qualquer outro autor. Eles têm uma visão estranha do mundo e isso pode ser muito perigoso.
Mas por que eles se concentram tão fortemente na Alemanha?
Como potência econômica da Europa, a Alemanha é muito interessante para os EUA. Além disso, era ali que residiam os terroristas do 11 de Setembro. E a Alemanha também tem uma forte influência política na Europa. Quando se "escuta" a Alemanha, também se sabe muito sobre o que pensa o governo holandês ou grego.
A Alemanha foi classificada pela NSA como "parceiro de terceira classe". O que significa isso?
Trata-se antes de um conceito técnico. Com isso, eles querem dizer que a Alemanha é a terceira facção. Os EUA são a primeira, a segunda são Austrália, Nova Zelândia, Canadá e Reino Unido. Os cinco juntos são conhecidos como os "cinco olhos". Após a Segunda Guerra Mundial, eles dividiram o mundo em regiões, nas quais eles executam as respectivas ações de escuta.
Sabemos que também os alemães e os europeus espionam os respectivos vizinhos e também os americanos. Há uma diferença em relação ao que os americanos fazem?
E como há uma diferença! O presidente Barack Obama disse que, sim, todos nós espionamos uns aos outros. A única diferença é que os americanos espionam numa escala comparável a uma arma nuclear. Isso está ligado ao dinheiro, tecnologia e ao poder deles. Com 35 mil funcionários, a NSA é o maior serviço de inteligência do mundo. Os outros países espionam na escala de um canhão. E outra vantagem dos americanos é que as grandes empresas de internet estão sediadas nos Estados Unidos. Elas podem ser colocadas sob pressão, a fim de que forneçam informações.
Consideremos a rede mundial de telecomunicações: quase 100% da comunicação pela internet passam pelos EUA. Também mais de 80% da comunicação por telefone são transmitidos por ali. Os EUA estão na situação única de poder interceptar a comunicação mundial sem grandes problemas.
O presidente deveria tomar uma ação corretiva nessa situação? Em sua opinião, qual seria o próximo passo?
Eu não permitiria agora que o presidente coordenasse as modificações. Foi ele quem ampliou os poderes da NSA. Já na década de 1970, tivemos uma grande averiguação sobre o trabalho do serviço secreto. Os métodos de investigação eram muito agressivos. Uma comissão independente fazia as perguntas, ninguém ia para lá de boa vontade. E, hoje, precisamos disso novamente.
Desde o 11 de Setembro, fomos longe demais com as medidas excessivas de segurança. Para fazer correções, precisamos de uma comissão independente, que tenha o poder de mudar alguma coisa.