Sob ameaça de fechar, centro cultural de Mainz celebra 25 anos
24 de setembro de 2006O ano de 2006 marca as comemorações pelos 25 anos de existência de uma das casas mais generosas com a música popular brasileira na Alemanha. A simpática construção localizada na rua Dagobertstrasse, com fachada de tijolinhos e um aprazível Biergarten, que fica a cerca de 50 metros do Reno, funcionou no passado como fábrica, mas desde 1981 se impôs como importante pólo de cultura e entretenimento não só para a cidade de Mainz, como para toda a região dos Estados Renânia-Palatinado e Hessen.
Em plena atividade até hoje, apresentando de peças de teatro infantil a exposições de artes plásticas, de shows internacionais de música a filmes, o Centro Cultural (Kulturzentrum, também conhecido pela abreviatura KUZ), está, no entanto, correndo o risco de ver suas portas cerradas em 2011, quando expira o acordo assinado entre a cidade e os produtores do centro para uso do imóvel.
Situado na outrora decadente localidade de Winterhafen, o centro cultural vem sendo ameaçado de despejo por empresários da construção civil e por autoridades públicas, que o vêem como empecilho para a reurbanização de uma área que, se hoje está valorizada, é justamente graças à instalação do Centro Cultural há 25 anos.
Música brasileira – a mais notável atração
Norbert Munk, principal responsável pela programação musical do local, e que dirige o espaço ao lado de Rüdiger Stephan e Joe Trautmann, conta como o KUZ percebeu a relevância da música brasileira para a região, apostando nela numa época de baixa popularidade na Alemanha.
"Em 1991, promovemos o primeiro KUZ Verão, que nasceu como um festival de jazz do mais alto nível, no qual também se apresentou Gilberto Gil. O evento fez sucesso e dois anos depois já estávamos fazendo do KUZ Verão um festival exclusivo de música brasileira."
De 1993 a 1998, a música brasileira passou a ser o carro-chefe da programação musical do centro cultural de Mainz. Norbert Munk lembra-se ainda hoje da noite em que Chico Buarque cantou por lá, com uma platéia completamente extasiada com o artista carioca.
"Era a primeira vez que Chico vinha se apresentar na Alemanha, e muita gente de vários outros lugares, inclusive do exterior, veio com bandeiras do Brasil, que eram agitadas durante o concerto. Era incrível ver os brasileiros cantando as músicas dele do começo ao fim", conta o alemão.
Variedade musical
Outro brasileiro que esteve presente no primeiro KUZ Verão, que teve também Chick Corea, Albert Collins e Maceo Parker, foi o percussionista pernambucano Naná Vasconcelos, que dividiu o palco com a pianista japonesa Aki Takase e a celebrada cantora portuguesa de jazz Maria João, na noite de 11 de julho de 1991.
Nos anos seguintes, viriam artistas mais distintos, de variadas estéticas musicais, como Djavan e Chico Science & Nação Zumbi, passando por Flora Purim, Olodum, João Bosco, Bebel Gilberto, Daúde, Sérgio Mendes, Fernanda Abreu e dezenas de outros nomes.
Para os espectadores, uma das maiores vantagens em assistir um show no KUZ é a proximidade entre artista e platéia. A principal sala de concertos é capaz de comportar cerca de 900 pessoas em pé. Privilegiadas, elas podem desfrutar de alguém como Milton Nascimento cantando numa atmosfera de bastante intimidade.
Iniciativa de artistas
O Centro Cultural de Mainz foi erguido no ano de 1981 graças à iniciativa de um grupo de artistas e agitadores culturais que se uniram para alugar as instalações de uma antiga fábrica tombada como patrimônio histórico. Na ocasião, a Alemanha era sacudida pelo movimento pop que ficou conhecido como Neue Deutsche Welle (Nova Onda Alemã), à qual o KUZ aderiu, promovendo o primeiro show de sua história.
A partir daí, as atividades culturais foram se diversificando e o KUZ passou a ser utilizado também como locação de programas de televisão muito populares, como o Doppelpunkt, voltado para o público jovem e produzido pela emissora estatal ZDF, também sediada em Mainz. A aparição do centro na telinha em escala nacional incrementou a fama do espaço.
A luta pela permanência
O centro está conseguindo mobilizar sua grande legião de simpatizantes, organizados numa entidade filantrópica, que já conseguiu colher mais de cinco mil assinaturas pela permanência do centro cultural no Winterhafen. Não há sombra de dúvidas de que o Centro Cultural será importante tema de discussão na política cultural da cidade nas próximas eleições.
A mídia alemã sabe disso e vem dando espaço para que a questão seja debatida por todos os cidadãos. "Como espaço não subvencionado, o KUZ conseguiu oferecer durante a década de 90 uma programação sem igual, servindo como boa opção cultural para parcelas de público comumente ignoradas. Este foi o caso da música brasileira no KUZ Verão, que ganhou visibilidade em toda a Europa”, escreveu o jornalista Hans-Jürgen Lenhart, do diário Frankfurter Rundschau.
Se dependesse dos brasileiros, o KUZ ficaria onde está, mesmo tendo que aperfeiçoar suas instalações acústicas, para evitar que os altos decibéis dos shows cheguem à rua. Uma obra com custos avaliados em aproximadamente 2,5 milhões de euros, conforme revelou Norbert Munk recentemente ao Frankfurter Allgemeine Zeitung.
"O centro merece vida longa. Vamos lutar por ele", conclamou Gilberto Gil em julho último, quando cantou no KUZ, na condição de ministro da Cultura e de primeiro artista brasileiro a ter se apresentado no centro cultural.