"Vejo esperança nos milhões de americanos que saem às ruas"
11 de junho de 2020O cineasta americano Spike Lee conversou com a DW de seu apartamento no Brooklyn, via Zoom, sobre seu novo filme, Destacamento Bloods, que estreia na Netflix nesta sexta-feira (12/06).
O filme conta a história de soldados afro-americanos que lutaram pelos Estados Unidos no Vietnã – uma trama que muitas vezes esquece os negros do país. "Nunca nos ensinaram que George Washington, o primeiro presidente dos EUA, possuía 123 escravos."
O diretor prevê ainda que Donald Trump será "o pior presidente da história dos Estados Unidos", mas diz ter esperança "com os milhões de americanos que saem às ruas" atualmente – e se sentirá ainda "mais esperançoso no dia 4 de novembro, um dia após a eleição presidencial", afirma.
DW: Quero falar sobre seu novo filme, Destacamento Bloods; mas primeiro temos que conversar sobre George Floyd. Outro americano negro desarmado, morto durante ação policial.
Spike Lee: O que vimos no vídeo!
Qual foi sua primeira reação quando viu o vídeo da morte de George Floyd?
Tive a impressão de um déjà-vu: com Eric Garner [morto pela polícia em 17 de julho de 2014]. Eu fiz um filme sobre o tema: Faça a coisa certa (1989) foi baseado no assassinato na vida real do grafiteiro Michael Stewart [em 15 de setembro de 1983]. E então comecei a pensar em todas aquelas outras pessoas negras sendo mortas, não apenas por estrangulamento, em todos aqueles sendo baleados.
Isso continua acontecendo, há décadas, há séculos. O que, na sua opinião, tem que ser feito para impedir que isso aconteça de novo e de novo e de novo?
Estamos começando aqui nos EUA, onde americanos, não apenas americanos pretos e pardos, os brancos americanos, minhas irmãs e irmãos brancos, estão saindo às ruas e se juntando a nós, de braços dados, dizendo que isso precisa acabar.
E existe um apelo nacional por mudanças dentro desses departamentos policiais, em todo o país. Temos que fazer algo com eles, eles precisam de reformas. Mudanças precisam acontecer na maneira como o policiamento é realizado nos Estados Unidos da América.
Quanta culpa você coloca no homem lá em cima, o presidente Trump, o homem que você chama de Agente Laranja?
Por que você o chama assim em vez de mim [o homem lá em cima]? Só estou brincando, eu sei que você quer que eu fale sobre isso. O "Agente Laranja" vai ser o pior presidente da história dos Estados Unidos.
E é engraçado agora ver seus aliados, esses generais e políticos que estão lentamente começando a se afastar dele, porque eles podem ver os sinais dos tempos e não querem entrar para a história ligados a esse cara, ser descritos como aqueles no lado errado da história. Definitivamente do lado errado.
A história, é claro, é uma grande parte do seu novo filme, Destacamento Bloods. Por que você quis contar a história dos soldados afro-americanos no Vietnã?
Bem, houve filmes com soldados afro-americanos, filmes do Vietnã. E [em Destacamento Bloods] eu faço uma homenagem ao meu favorito, Apocalypse Now. Laurence Fishburne tinha 14 anos quando atuou nesse filme! Mas eu só queria contar as histórias deles.
Afro-americanos lutaram em todas as guerras travadas pelos EUA.
De fato, o primeiro americano a morrer [no Massacre de Boston em 1770] foi um homem negro chamado Crispus Attucks.
Algo que você mostra no seu filme. Mas os afro-americanos foram deixados de fora de quase todos os filmes de guerra de Hollywood. O que você acha que isso significou para a ideia americana de sua própria história?
Eles não estão escutando a história verdadeira. E muito disso começa com a educação, senhor. Quando eu, como muitas crianças, quando vamos à escola, aprendemos que George Washington nunca contou uma mentira. O primeiro presidente dos Estados Unidos, ele cortou a cerejeira [de seu pai] e admitiu isso [ao ser indagado pelo pai]. Nunca nos ensinaram que George Washington, o primeiro presidente dos EUA, possuía 123 escravos. Eles deixaram isso de fora! De propósito!
Faz 31 anos desde que você dirigiu Faça a coisa certa e estamos vendo a mesma coisa acontecendo novamente nas ruas. Onde você vê esperança para o futuro?
A esperança que vejo é com os milhões de americanos que saem às ruas, com eles dizendo que já chega: vejo esperança. E me sentirei mais esperançoso no dia 4 de novembro, um dia após a eleição presidencial.