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SociedadeAfeganistão

"Talibã usa civis como escudos humanos no Afeganistão"

Shamil Shams | Masood Saifullah
10 de agosto de 2021

Em meio a conquistas talibãs, civis dizem enfrentar situação "insuportável" e rastro de destruição deixado por combates entre insurgentes e forças afegãs e acusam o Ocidente de deixar a população à mercê dos islamistas.

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Homem carrega criança ferida no Afeganistão
Civis feridos lotam hospitais enquanto o Talibã ataca cidades pelo paísFoto: Mirwis Omari/AP/picture alliance

Forças talibãs assumiram no último domingo domingo (08/08) o controle sobre Kunduz, capital da província homônima localizada no norte do Afeganistão, e prosseguem com seus ataques contra as Forças Armadas afegãs.

Os militantes islamistas também tomaram outras duas capitais de províncias – Sar-e-Pul e Taleqan –, e batalhas continuam em Lashkar Gah, Herat e Kandahar.

As vitórias do Talibã ocorrem em meio à retirada das forças da Otan, que deixou o governo do presidente democraticamente eleito Ashraf Ghani em uma posição vulnerável em meio aos ataques dos insurgentes. Há relatos de muitas vítimas civis em várias cidades que atualmente são alvos do Talibã.

"A situação é insuportável para as pessoas em Kunduz. Os talibãs tomaram a cidade e controlam todas as instalações governamentais", disse Mehrabuddin Hakimi, residente na província de Kunduz, à DW.

"Mercados, lojas e casas foram destruídos devido aos combates pesados ​​[entre o Talibã e as Forças Armadas afegãs] e aos bombardeios contínuos. Alguns hospitais estão funcionando, mas estão sobrecarregados com feridos", disse Hakimi, acrescentando que as ruas de Kunduz estavam desertas.

Niria Hotak, residente da província de Nimruz, no sudoeste do país, disse à DW que o Talibã está "usando os moradores como escudos humanos" na região. "Eles estão entrando nas casas e pedindo aos moradores que lhes forneçam comida", contou Hotak.

Mais uma vez, civis pagam o preço

Halim Sadaf Karimi, legislador da província de Jawzjan, no norte do país, conta que as pessoas estão perdendo a esperança após as vitórias dos insurgentes. "O Talibã está ameaçando civis, e todos estão preocupados. Os civis estão pagando o preço por tudo isso", disse Karimi à DW.

Hotak, uma moradora da província de Nimruz, afirmou que as forças de segurança afegãs "não lutaram contra o Talibã e entregaram a cidade para eles". "Autoridades fugiram para o Irã, mas os moradores locais nem mesmo têm essa opção. Eles foram deixados à mercê do Talibã", acrescentou.

Moradores inspecionam lojas destruídas em Kunduz após combates entre Talibã e forças afegãs
Moradores inspecionam lojas destruídas em Kunduz após combates entre Talibã e forças afegãsFoto: Abdullah Sahil/AP Photo/picture alliance

Onde está a comunidade internacional?

Os EUA têm recebido fortes críticas por deixar "prematuramente" o Afeganistão antes de selar um acordo de paz entre partes interessadas do país.

O Talibã conseguiu capturar a maioria dos novos territórios, após o presidente Joe Biden anunciar, em fevereiro, uma retirada incondicional das forças americanas do país. Na época, Washington disse que as forças afegãs tinham condições de defender o país do Talibã.

"Há meses instamos o governo afegão e a comunidade internacional a proteger nossa cidade, mas ninguém deu atenção aos nossos apelos", disse Karimi, da província de Jawzjan.

"A comunidade internacional também é responsável pelo que está acontecendo no Afeganistão neste momento. Ela deu legitimidade ao Talibã ao assinar um acordo de paz com o grupo. E agora que o Talibã está cometendo crimes de guerra em nosso país, a comunidade internacional não está nem mesmo condenando esses atos", acrescentou.

As forças afegãs podem defender Cabul?

Assdullah Nadim, um especialista militar baseado em Cabul, disse à DW que, se a situação não mudar, "Cabul pode cair nas mãos do Talibã" dentro de meses.

"Mas acredito que o Talibã se concentrará por enquanto nas capitais das províncias. Um ataque a Cabul os colocará em confronto direto com países estrangeiros que ainda estão presentes na capital afegã", frisou.

De acordo com veículos de notícias, os EUA enviaram aviões bombardeiros e caças ao Afeganistão no último sábado para ajudar as forças afegãs na luta contra o Talibã, um movimento supostamente classificado pelo grupo islâmico como uma violação de Washington ao acordo assinado com o Talibã em Doha no ano passado.

"As Forças Armadas afegãs enfrentam uma crise política e administrativa. Elas também carecem de apoio aéreo crucial da Otan", disse Nadim. "Mas é improvável que a Otan e outros aliados do Afeganistão queiram interferir na guerra afegã."

Nadim acredita que a comunidade internacional não abandonou o Afeganistão, pois continua financiando e apoiando Cabul. "A situação atual é o resultado da má gestão do governo afegão", acrescentou.

Gul Afroz Ibtekar, uma funcionária do Ministério do Interior do Afeganistão, está otimista e acredita que o Exército afegão prevalecerá.

"A retirada das forças internacionais teve um impacto negativo sobre a segurança, mas tenho certeza de que Cabul não cairá nas mãos do Talibã", afirmou Ibtekar.

"A situação é semelhante à da década de 1990, quando os mujahidin assumiram o controle do país. Mas, naquela época, o governo afegão não tinha o apoio da comunidade internacional", conclui.