Temer ganha sobrevida, mas segue encurralado
10 de junho de 2017Terminado o julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o presidente Michel Temer não terá muito tempo para celebrar o resultado. Se tivesse ocorrido há um mês, a decisão do tribunal poderia ter marcado o início de um período de tranquilidade para o Planalto e reforçar o argumento de que o governo tem força para chegar até o fim de 2018. Mas esse cenário está descartado desde 17 de maio, quando veio à tona a delação da processadora de carnes JBS, que implicou Temer diretamente. Neste momento, o fim da longa novela jurídica contra a chapa Dilma-Temer no TSE marca o afastamento de apenas um dos problemas legais que assombram o presidente e um intervalo breve antes da próxima tempestade política.
Depois da prisão do ex-assessor especial da Presidência Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) e da velocidade com que foi apresentada a denúncia criminal contra o senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG) pelos seus papéis no caso JBS, existe a expectativa de que Temer venha a ser o próximo alvo de uma ação mais dura da Procuradoria-Geral da República (PGR) nos próximos dias. No caso, a apresentação de uma denúncia formal contra o presidente - o desdobramento do inquérito criminal no Supremo Tribunal Federal (STF) que tramita contra Temer, e que também inclui Loures e apura a suspeita de prática de corrupção passiva, organização criminosa e obstrução à investigação.
No pedido de prisão de Loures, o procurador-geral, Rodrigo Janot, já deu sinais da carga que pretende apresentar contra Temer. No documento, ele chamou o ex-deputado e ex-assessor de "homem de total confiança, verdadeiro longa manus (executor do crime planejado por outro) do presidente da República, Michel Miguel Elias Temer Lulia". Janot também reafirmou que o ex-assessor especial do presidente "aceitou e recebeu com naturalidade, em nome de Michel Temer", oferta de propina de Joesley Batista, um dos controladores da JBS.
Com Loures na prisão desde o último sábado (03/06), os prazos entre o inquérito e a apresentação da denúncia foram encurtados por causa de uma determinação do ministro do STF Edson Fachin. Pela regra, a denúncia deve ser apresentada em até 15 dias quando um dos investigados estiver atrás das grades - neste caso, até a semana que vem.
A PGR ainda pode solicitar uma prorrogação, mas a própria equipe do presidente já começou a trabalhar com a hipótese de que os dois próximos meses devem ser monopolizados por esse novo flanco que se abriu contra o Planalto. O mandato de Janot também acaba em setembro, e a expectativa é que o procurador-geral queira soltar tudo que tem contra o presidente até o fim desse prazo.
Nesta semana, paralelamente ao julgamento no TSE, a defesa de Temer já teve que lidar com uma lista enviada pela Polícia Federal com mais de 80 perguntas sobre o papel do presidente nos crimes envolvendo a JBS. No final, o presidente se recusou a responder ao questionário - ele não era obrigado a fazê-lo.
Nova batalha jurídica
Caso a PGR apresente a denúncia contra Temer nos próximos dias, será o início de uma etapa com muitas semelhanças ao processo de impeachment que culminou na queda de Dilma Rousseff - com a diferença de que num caso por crime comum, e não por responsabilidade, as opções para barrar o andamento na origem são mais escassas para o atual ocupante do Planalto.
Segundo o artigo 217 da Constituição, quando a PGR apresentar a denúncia, caberá ao ministro Fachin notificar o presidente e pedir para que ele ofereça uma resposta no prazo de 15 dias. Em seguida, o documento será encaminhado pelo STF ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Como se trata de um caso criminal, o papel de Maia será apenas burocrático. Um aliado do Planalto, Maia já vem usando seus poderes de presidente do Congresso e engavetando uma série de pedidos de impeachment contra Temer (inclusive um apresentado pela OAB). Neste caso, no entanto, Maia não poderá fazer o mesmo, e será obrigado a encaminhar o documento para análise da Comissão de Constituição de Justiça (CCJ).
A CCJ, por sua vez, terá que submeter o documento à votação dos seus 66 membros. A comissão já é dominada por aliados de Temer, mas isso não significa uma vantagem para o presidente. Ao contrário da comissão do que ocorre em uma comissão de impeachment, independentemente de a CCJ julgar ou não a denúncia válida, ela terá que ser submetida à votação pelo Plenário da Câmara - é aqui que será travada a disputa que pode resultar no afastamento do presidente.
São necessários os votos de dois terços dos deputados (342 votos) em votação nominal para que o processo avance e Temer se torne réu. A votação é nominal, no microfone aberto.
Neste caso, a denúncia ainda seria remetida mais uma vez ao STF, que será responsável pelo julgamento - também ao contrário do que ocorre em um impeachment, onde o Senado assume essa tarefa. Temer então será afastado por até 180 dias até a conclusão do julgamento. Para barrar o andamento todo, o presidente precisa de 172 votos ou ausências na votação do Plenário.
Fatos novos
O Planalto exibe confiança de que o número será facilmente atingido, já que conta com uma base aliada que passa de 300 deputados. Interlocutores do Planalto já falam de uma reserva de 250 deputados - nas últimas votações de medidas provisórias no Plenário, o governo obteve entre 260 e 280 votos a seu favor.
Mas a situação de Temer nesse sentido também lembra os últimos esforços de Dilma nas semanas anteriores ao impeachment. O presidente escalou seus líderes para seduzir o "centrão" da Câmara com a oferta de cargos e emendas para deputados de partidos como o PSD e PP, tal como ocorreu com a petista, sentindo que grandes aliados como o PSDB já começam a se afastar. Também se discute a possibilidade de mudar alguma regras para que a votação seja secreta, uma forma de poupar deputados leais do constrangimento de barrar uma denúncia contra o presidente.
No caso de Dilma, a oferta de "bondades" de nada adiantou: ela só conseguiu reunir 144 votos ou ausências a seu favor.
Os prazos para uma votação seguem indefinidos, especialmente por causa do recesso do Judiciário e da Câmara, que vai ocorrer em meados de julho. O drama então deve se estender por no mínimo dois meses. Na teoria, o tempo pode permitir que o presidente recomponha suas forças e espere que as medidas econômicas apresentem resultados. Só que na prática, o tempo vem sendo inimigo do Planalto, já que permite o aparecimento de fatos negativos novos, capazes de trazer instabilidade na base e aumentar a tensão no governo.
Só nesta semana decisiva no TSE foram dois: a prisão do ex-ministro Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) - um colaborador próximo de Temer - e a revelação de um episódio nebuloso envolvendo o presidente e o empréstimo de um jatinho do empresário Joesley Batista, da JBS. Este último caso envolve uma viagem ocorrida em 2011, quando Temer ainda era vice-presidente. Inicialmente, o presidente negou o episódio, mas depois voltou atrás e disse que não sabia de quem era a aeronave.