Terceirização: mais emprego ou menos direitos?
16 de abril de 2015O projeto de lei 4330/2004, aprovado na semana passada pela Câmara dos Deputados, regulamenta e amplia a terceirização no Brasil. À proposta curta, com apenas 19 artigos, foram feitas mais de 200 emendas. Nesta quarta-feira (15/04), os parlamentares adiaram a votação de novas emendas para o dia 22 de abril, em meio a protestos convocados por centrais sindicais em ao menos 23 estados e no Distrito Federal.
Enquanto isso, na Alemanha, muitos veem a terceirização como algo positivo. As rígidas leis trabalhistas do país foram flexibilizadas em 2004, o que abriu espaço para o aumento da terceirização e dos trabalhos temporários. Em uma década, o número de trabalhadores sem contratos fixos mais do que dobrou: passou de 389 mil, em 2004, para 815 mil, no final de 2013, segundo as estatísticas mais recentes da Agência Federal do Trabalho (BA).
A Confederação Alemã de Sindicatos (DGB) critica o fato de os trabalhadores não terem garantia de estabilidade. Já para Werner Eichhorst, diretor de políticas europeias do Instituto de Pesquisa para o Futuro do Trabalho (IZA), com sede em Bonn, na Alemanha, o trabalho temporário e a terceirização são positivos para as empresas.
"A prestação de serviços especializados contribuiu para o aumento da oferta de empregos na Alemanha", disse o especialista à DW Brasil. "Os governos devem estabelecer regras de maneira que a terceirização seja feita de forma justa. Não acho que ela seja negativa ou tenha de ser limitada."
Já as condições de trabalho dependem de cada mercado. Segundo Eichhorst, funcionários do setor de consultoria de tecnologia da informação, por exemplo, estão animados, ao contrário dos trabalhadores do ramo da logística.
Ele aponta a existência de leis trabalhistas e de proteção social independentes das empresas, "mais universais e menos fragmentadas", como um caminho promissor.
"Um mercado de trabalho mais flexível ajudaria o Brasil a diminuir as discrepâncias entre os trabalhadores fixos e os que prestam serviços, ou entre as grandes e pequenas empresas. Isso ajudaria a dinamizar a economia e, talvez, criar novas oportunidades de trabalho", diz.
Mais postos de trabalho?
A terceirização consiste na contratação de serviços especializados, que são feitos de forma autônoma por uma empresa terceirizada. Os trabalhadores dessas empresas também são submetidos às regras da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas o advogado trabalhista Luis Carlos Moro aponta que os salários são menores.
"O grande problema da terceirização é a depreciação da massa salarial. Os trabalhadores terceirizados recebem salários bem inferiores aos dos contratados diretamente", afirma. "Do ponto de vista macroeconômico, isso provoca uma redução do consumo. Para a sociedade, é melhor ter empregos de qualidade, mais duráveis e com melhor remuneração do que empregos terceirizados precários."
No Brasil, a terceirização ainda carece de um marco regulatório. O projeto de lei, que tramita há 11 anos no Congresso Nacional, diz Moro, ganhou uma "velocidade supersônica" com a atuação do presidente da Câmara, Eduardo Cunha. "Houve um incrível atropelamento do debate", avalia.
O especialista diz que o projeto de lei se converteu num "patchwork" legislativo. "Aprovaram um projeto-base, que eu chamaria de tela, e sobre ele estão sendo propostos ajustes – retalhos – que, na verdade, desfiguram a proposta."
"Uma coisa é a descentralização e especialização produtiva – é natural que haja uma fornecedora de pneu, rodas ou volante para uma montadora, por exemplo. Outra coisa é a exploração de mão de obra barata. Este sim é um movimento de precarização", avalia Moro.
Segundo o texto atual, a empresa contratante deve fiscalizar se a empresa terceirizada está respeitando os direitos trabalhistas. O advogado critica uma emenda proposta pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que obriga a empresa contratante a recolher os tributos. "O governo salvou a parte dele. Isso concentra e barateia a fiscalização e salva o imposto. O único que ficará sem garantia é o trabalhador", afirma Moro.
O especialista ressalta que os sindicatos também conseguiram garantir suas arrecadações. De acordo com o projeto, os profissionais da empresa terceirizada ficam subordinados à representação sindical da categoria a que pertencem. As entidades patronais estão divididas: a CUT organizou as centenas de protestos desta quarta-feira, e a Força Sindical apoia o projeto de lei.
Maior flexibilidade
Cássio Mesquita Barros, professor de Direito do Trabalho da USP e ex-membro da Organização Internacional do Trabalho, considera que a lei está equilibrada. Segundo ele, o projeto tira os trabalhadores da precarização e obriga a empresa prestadora de serviço a ser organizada, ter capital e condições de responder pelos encargos trabalhistas.
"Os direitos trabalhistas estão assegurados no projeto de forma categórica", afirma. "Os sindicatos se preocupam com a substituição de empregados, mas isso não é possível. A lei especifica qual deve ser a natureza da terceirização."
O especialista destaca a necessidade de regulamentação. "Hoje, as empresas usam esse instrumento para evitar encargos trabalhistas, e os empregados ficam descobertos de qualquer reposição de direitos", diz.
Com a aprovação do projeto de lei, haveria maior segurança jurídica, já que hoje a Justiça do Trabalho acumula inúmeros processos relacionados à terceirização. "É muito difícil estabelecer qual é a atividade-fim, e a lei acaba com esse impasse."
A proposta, que voltará a ser apreciada pelos parlamentares na semana que vem, amplia a terceirização, que se restringia a funções de apoio ao negócio central da empresa – as atividades-meio –, também para as atividades-fim, o objetivo final da empresa. No caso de um banco, seria permitida a contratação de bancários terceirizados, por exemplo.
"O conceito de atividade-fim e meio na lei permite a quarteirização, a quinterização, a exponenciação da terceirização", critica Moro. "Na Alemanha, há uma distinção atroz em relação ao que se pretende fazer no Brasil. A qualidade das empresas é diferenciada. Elas não nascem para obter um contrato com o poder público e depois desaparecer sem pagar os trabalhadores, como ocorre no Brasil", diz.