"Teste de muçulmano" gera debate sobre discriminação pelo Estado
17 de janeiro de 2006Os muçulmanos que pretendem requerer a cidadania alemã no Estado de Baden-Württemberg têm que se submeter a uma detalhada inspeção desde o início deste ano. Numa extensa entrevista, o requerente é obrigado a responder uma série de perguntas para provar sua lealdade à ordem democrática. A Secretaria estadual do Interior declarou ter dúvidas de que o compromisso com a Constituição assinado no processo de naturalização corresponda de fato à mentalidade dos muçulmanos que adquirem a cidadania alemã.
Baden-Württemberg é o primeiro Estado alemão a destacar os muçulmanos como um grupo à parte no processo de naturalização. O catálogo de 30 perguntas especula a postura do candidato sobre igualdade de direitos entre homem e mulher, liberdade de religião, vingança de morte e sobre os atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA. A nova regulamentação atinge requerentes provenientes dos 56 países da Conferência Islâmica. O governo de Baden-Württemberg está sendo veementemente acusado de cometer discriminação religiosa.
O que acha do 11 de setembro?
"O que o senhor acha da afirmação de que a mulher tem que obedecer ao marido e este tem o direito de agredi-la, caso ela não o obedeça?" "O senhor acha que casamento forçado é condizente com a dignidade humana?" "Suponhamos que pessoas da vizinhança ou de seu círculo de amizades planejem ou cometam um atentado terrorista: como o senhor se comportaria?"
"Na sua opinião, os responsáveis pelos atentados de 11 de setembro de 2001 em Nova York e de 11 de março de 2004 em Madri são terroristas ou combatentes libertários?" "Imagine que o seu filho maior de idade lhe diga que é homossexual e pretende viver com outro homem: como o senhor reagiria?" Estas são apenas algumas das perguntas aplicadas na entrevista do processo de naturalização com requerentes muçulmanos.
Cabe ao Estado interrogar sobre moral?
A medida foi criticada como declaração de desconfiança indiscriminada contra uma comunidade de três milhões de muçulmanos na Alemanha. O governo do Estado se defendeu, alegando que as perguntas podem ser aplicadas a qualquer requerente, independente da nacionalidade. No entanto, o teste indaga sobre especificidades de moral e de conduta geralmente associadas ao extremismo islâmico.
O ex-juiz do Tribunal Constitucional Ernst Gottfried Mahrenholz declarou à revista Spiegel que o catálogo de perguntas sobre lealdade à Constituição, inclinações e preferências pessoais discrimina os muçulmanos. O Partido Verde cogitou apelar ao Parlamento, a fim de impedir que uma determinação administrativa contenha indagações de teor moral. "Um Estado de Direito não deve indagar sobre postura moral", declarou a líder da bancada verde no Bundestag, Renate Künast.
Guetos: "conseqüência da indiferença multicultural"?
Os defensores da medida defendem tratamento especial aos muçulmanos, advertindo para os perigos de uma falsa integração. "Os muçulmanos são os que mais demonstram falta de conhecimento da nossa Constituição", declarou o governador de Baden-Württemberg, Günther Oettinger (CDU).
O porta-voz da bancada democrata-cristã e social-cristã no Parlamento, Hans-Peter Uhl, retornou à crítica contra a sociedade multicultural, afirmando que "a transformação de bairros inteiros em guetos com sociedades paralelas impermeáveis é conseqüência da indiferença multicultural". Os políticos do Partido Liberal Democrata sugeriram uma reformulação do catálogo de perguntas, sem exigir a revogação da medida.
Muçulmanos sob proteção ambiental?
A pesquisadora turca naturalizada alemã Necla Kelek, especialista em migração, orientou o governo do Estado de Baden-Württemberg a formular as perguntas da entrevista. Em seu novo livro Die Verlorenen Söhne (Os Filhos Perdidos), ela faz um apelo: "Vamos parar de colocar os migrantes e sua postura quanto a questões centrais da democracia sob proteção ambiental".
"Eu gostaria de saber se eles estão dispostos a reconhecer o 'espírito das leis' nesta República, se aceitam a Alemanha como se fosse seu lugar de origem, se protegem as mulheres contra discriminação e violência, se colaboram para que seus filhos possam decidir quando, com quem e se realmente querem casar – este é o autêntico 'teste de muçulmano'", escreve Kelek.
"O que falta não é cultura dominante e sim republicanismo"
O parlamentar europeu verde Cem Özdemir, também de origem turca, acusou a pesquisadora Necla Kelek de "ressentimentos antiislâmicos, falta de poder de diferenciação e de rigor científico". Ele condenou a controversa medida como discriminatória, acrescentando que isso de fato combina com um Estado que proíbe professoras muçulmanas de usar véu, mas continua permitindo símbolos de outras religiões.
Özdemir acusou a Secretaria do Interior de Baden-Württemberg de justificar sua medida através de informações, pesquisas e estatísticas pouco sérias. Em artigo ao diário Die Welt, ele lembrou que uma pesquisa de 2002 da própria Fundação Konrad Adenauer, ligada aos democrata-cristãos, revelou que 50% dos muçulmanos residentes na Alemanha defenderiam o país em caso de agressão por parte de um Estado islâmico. Entre os alemães do Leste do país, esta cota se limitava a 42%, segundo a mesma enquete.
"A forma de tratamento do islamismo na Alemanha mostra que a República Federal não carece de teste de mentalidade ou cultura dominante, mas sim de republicanismo", acusa o parlamentar europeu.
Medida anticonstitucional?
O Conselho Central dos Muçulmanos da Alemanha reagiu com indignação à medida do Estado de Baden-Württemberg, ameaçando apelar ao Tribunal Constitucional Federal e conclamando os requerentes a não responder as perguntas e sim buscar auxílio jurídico.
O tribunal vai decidir dentro de dois meses sobre a constitucionalidade de outro aspecto da medida. O novo procedimento de naturalização também implica a seguinte determinação: "Os resultados da entrevista devem ser documentados e assinados pelo requerente de cidadania. O requerente deve ser informado de que informações inverídicas serão avaliadas como ludíbrio das autoridades e – mesmo depois de anos – poderão levar à cassação da cidadania".
De acordo com o artigo 16 da Lei Fundamental alemã, uma vez concedido, o passaporte alemão não pode ser cassado – uma reação jurídica contra as expatriações do regime nazista.