Arte e mídia
1 de fevereiro de 2009"Vivemos um tempo talvez marcado por uma espécie de grande ruptura. Todos falam de um tipping point, mas ninguém pode nos dizer quando e o que vai acontecer. Esse é o mistério que antecede a mudança, como foi do caso do Muro de Berlim: todo mundo sabia que ele iria cair, mas ninguém sabia o que iria acontecer depois", lembra Stephen Kovats, diretor da Transmediale, festival de arte e mídia que se encerra neste domingo (1°/02), em Berlim.
O festival este ano acontece a partir do lema Deep North (Norte Profundo) e reflete acerca das consequências que um derretimento das calotas polares poderia causar ao planeta. Em workshops e diversas palestras, artistas e cientistas presentes discutem o assunto na Casa de Culturas do Mundo, em Berlim.
Da lista de obras exibidas no festival fazem parte dois trabalhos do mineiro Roberto Bellini (Jardim Invisível e Distant Grounds). Também a plataforma brasileira DesCentro foi anfitriã dentro da Transmediale de um café da manhã performático e aberto ao público, que contou neste domingo (1°/02) com a participação de nomes como Saskia Sassen, socióloga holandesa radicada nos EUA, e da poeta argelina Lamis Saidi.
Copiando a tradição
Toda vez que um relais (retransmissor) vibra numa instalação dos artistas conceituais britânicos Graham Harwood, Richard Wright e Mtsuko Yokokoji, é inicado um telefonema para a central do projeto em Londres. O objetivo, no caso, é repassar notícias de congoleses radicados na Inglaterra.
"Nosso projeto telefônico auxilia os congoleses que moram na Inglaterra a trocar informações da forma como isso é feito em seu país de origem. No Congo, as histórias são contadas de boca a boca nas ruas e assim se disseminam sem qualquer censura. Damos a isso uma base moderna ao utilizarmos o sistema telefônico", explica Richard Wright.
A central de seu projeto fica numa estação de rádio em Londres. Esta atende telefonemas, grava os mesmos e liga imediatamente depois para os congoleses, a fim de repassar a notícia. Quem recebe o telefonema passa as informações aos conhecidos e daí por diante, na maioria dos casos por celular.
Memorial do tântalo
"Os congoleses são loucos por celulares. Todo mundo tem três ou quatro aparelhos, usados todos com frequência. Nesses telefones se esconde tântalo, um metal proveniente do coltan [combinação de duas palavras que correspondem aos minerais columbita e tantalita, dos quais se extraem metais mais cobiçados do que o ouro]. O Congo possui as maiores reservas de coltan do mundo. Milícias diversas já levaram guerras sangrentas adiante, a fim de controlar a extração do metal. Os lucros são investidos, na maioria das vezes, em novos armamentos. Os congoleses se veem entre a cruz e a espada: se por um lado levam vantagens com o uso dos celulares, por outro sofrem em consequência das guerras, que acontecem porque o coltan se tornou tão importante. São paradoxos para os quais queremos chamar a atenção", diz Wright.
Por isso, os artistas chamaram a instalação de vibrações exposta em Berlim de Memorial do Tântalo, em memória das três milhões de vítimas das guerras envolvendo o coltan que já aconteceram no Congo.
Tecnologia e natureza
Para compreender o conteúdo das obras apresentadas durante a Transmediale, o observador comum precisa normalmente de informações adicionais. O austríaco Christian Gützer, por exemplo, pregou uma seringueira num pêndulo enorme, que se move a cada par de horas. A instalação leva o nome de Grow e o ruído registra o crescimento da árvore.
"Quase toda planta cresce em direção à luz e em direção oposta à gravidade. Posicionei dois motores embaixo e um microcontrolador, no qual está programado um algoritmo, que conduz a máquina e muda a árvore de posição. Dependendo de onde ela estiver, ela vai se curvar para um lado diferente e tomar novas formas", explica o artista.
Esse algoritmo que dirige a máquina está implantado na árvore: uma imagem que simboliza a influência da tecnologia moderna sobre a natureza. É possível entender a obra como um alerta ou como metáfora do progresso, dependendo do olhar do observador.
Tendências pessimistas
O lema da Transmediale deste ano, contudo, tende para o pessimismo. Algumas das obras exibidas remetem diretamente às mudanças climáticas. O búlgaro Petko Dourmana, por exemplo, mostra seu Post Global Warming Survival Kit, um equipamento de sobrevivência para depois do aquecimento global, composto de um aparelho que permite enxergar em ambientes escuros.
No display verde e preto do "aparelho para enxergar à noite", reluz uma paisagem árida composta apenas de areia e grama seca. No meio, está um trailer, dentro do qual se pode ver um notebook. Neste, é possível ler textos que descrevem a luta pela sobrevivência depois da catástrofe: um inverno nuclear, que não conhece outra coisa exceto a escuridão.
As visões do futuro apresentadas na Transmediale são predominantemente sombrias, marcando, assim, uma nova tendência na arte midiática. Ao contrário dos anos anteriores, é raro ver artistas apenas brincando com os meandros das novas tecnologias. Hoje, procura-se, acima de tudo, discutir problemas graves contemporâneos, entre eles as mudanças climáticas.