Tribos sunitas do Iraque divididas entre EI e governo
10 de novembro de 2014Antes de serem fuzilados, os homens, mulheres e crianças da tribo Albu Nimr, na província iraquiana de Anbar, foram forçados a se alinhar. Cerca de 300 membros da comunidade localizada na região da represa do Rio Eufrates, próximo à cidade de Haditha, já foram assassinados nos últimos dias por membros da milícia terrorista "Estado Islâmico" (EI). Embora também sunitas, eles se recusaram a se sujeitar às regras impostas pelo autoproclamado califado do EI, e acabaram pagando com a vida.
Os extremistas não têm poupado. Xiitas, cristãos, yazidis, turcomenos, shabak: membros de todos os grupos étnicos e religiosos do Iraque já foram vitimados pelo EI. Mas agora eles matam também seus correligionários sunitas.
As notícias da província de Anbar, a maior do país em termos de área, mal chegam ao público geral. O ex-primeiro-ministro Nuri al-Maliki impôs um bloqueio às noticias da região, ainda não removido por seu sucessor, Haider al-Abadi. Além disso, para os jornalistas é muito perigoso viajar até o local.
No início de novembro, promovido pelo governo iraquiano, um encontro dos líderes tribais das províncias localizadas ao norte da capital levou até Bagdá notícias e dados. Só assim as informações sobre o massacre da tribo Albu Nimr foram divulgadas.
É necessário desenvolver uma estratégia comum contra os extremistas, mas os xeiques não encontram consenso. Algumas comunidades não estão dispostas a cooperar com o governo iraquiano na luta contra o EI. Outras, como os membros da Albu Nimr, firmaram sua posição contrária e tiveram que pagar caro. Reina grande insegurança.
Perseguição aos sunitas
O xeique Matlb Ali al-Mesary, líder de uma tribo de Fallujah, participou da reunião em Bagdá. Sua aparência é de um iraquiano comum, de terno e gravata. O presidente da Confederação das Tribos Patrióticas do Iraque abriu mão da tradicional túnica longa e do lenço branco preso com um cordão preto.
"Tenho sido ameaçado", justifica. "Todos os xeiques da província de Anbar estão temendo por suas vidas." Embora sua tribo não tenha sido massacrada pelo EI, ela já sofreu ameaças do ex-primeiro-ministro xiita Maliki.
Essa caça aos sunitas chegou a atingir o líder tribal pessoalmente. Soldados iraquianos assaltaram arbitrariamente instalações e residências militares em Fallujah, Ramadi e outras cidades de Anbar, localizada logo a oeste de Bagdá. Eles confiscaram todas as armas que puderam encontrar, prenderam muitos homens e também mulheres por suspeita de terrorismo. "Os soldados eram xiitas, assim com o chefe do governo", assegura Mesary.
Os líderes xiitas recebiam armamentos, equipamentos, dinheiro, apoio de todo tipo. "No final, não tínhamos nada, sequer podíamos alimentar adequadamente nossas famílias. Eles nos deixaram indefesos." E aí veio o "Daesh" – como é denominado em árabe o "Estado Islâmico".
Popularidade do EI se mantém
Dessa forma, afirma o xeique, foi fácil para o EI pôr os pés em Anbar. Durante um ano, sua tribo protestou contra os abusos do governo de Maliki, sem êxito. Em Fallujah e Ramadi, organizaram-se acampamentos de protesto, que, em sua maioria, transcorreram de forma pacífica.
Mas as exigências dos manifestantes não foram atendidas pelo governo central. Pelo contrário: o Exército iraquiano tentou dispersar os acampamentos com violência, e isso fez as pessoas se radicalizarem, diz Mesary. Quando o EI conquistou Fallujah, em janeiro, contou com grande consentimento dos habitantes, que se mostraram cooperativos.
Para eles, naquele momento, o inimigo não era o EI, mas sim Maliki, em Bagdá. A partir daí, os fundamentalistas islâmicos se espalharam pelo resto de Anbar, que faz fronteira com a Síria e a Jordânia. Atualmente, o EI controla 80% da província. Seu governador lançou um apelo por ajuda internacional, pois o Exército e as forças policiais iraquianas perderam o controle sobre a situação. De acordo com o xeique, cada vez mais soldados desertam das Forças Armadas, sendo substituídos por voluntários xiitas.
Mesary conversa ao telefone com um colega em Fallujah, para saber como está a situação por lá. O xeique Abdullah Abu Tarek, conta que os preços sobem incontrolavelmente. Um botijão de gás custa 40 mil dinares iraquianos (27 euros), nove vezes o preço normal. O abastecimento é ruim, de modo geral. Não há mais medicamentos, as mercadorias têm que ser contrabandeadas. Os ataques aéreos e de artilharia são intensos, mesmo durante a noite.
Ainda assim, os jihadistas contam com grande apoio popular. Muitos refugiados acabaram retornando à cidade, conta Abu Tarek. O "Daesh" se instala, se encarrega da coleta de lixo, fornecimento de água, eletricidade. Os funcionários são pagos pelos extremistas. As pessoas temem mais os bombardeios das forças iraquianas do que o EI, afirma o xeique em Fallujah. Súbito, uma explosão interrompe a conversa: a linhas telefônicas foram cortadas.
Unidade nacional fragilizada
As esperanças agora se concentram no novo primeiro-ministro, que assumiu no início de setembro. Ele terá que reduzir o abismo entre sunitas e xiitas, aprofundado pela política sectária de seu antecessor.
Pois só através da união haverá alguma chance contra os assassinos, diz o xeique Matlb. No entanto, o premiê Haider al-Abadi teve grande dificuldade para formar um governo de unidade, em que todos os grupos do multiétnico Estado do Iraque estivessem representados.
Ele levou seis semanas até conseguir apresentar ao Parlamento dois candidatos majoritários para assumir os dois ministérios mais importantes: da Defesa e do Interior. "Até agora, nenhuma das condições que impusemos foi atendida", reclama o líder tribal Mesary, para explicar a relutância das tribos sunitas em relação ao governo e a sua luta contra o EI. Uma dessas reivindicações é o fim dos bombardeios aleatórios contra civis em Fallujah. Em sua conversa telefônica, Mesary acabou de comprovar que isso ainda não aconteceu.