1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Trump e o fantasma da globalização

Daniel Bellut av
15 de novembro de 2016

Entre os temores decorrentes do resultado da eleição presidencial nos EUA está a oposição do candidato vencedor à globalização e ao livre-comércio. A era Trump trará de volta o provincianismo econômico?

https://p.dw.com/p/2SigV
Donald Trump durante campanha eleitoral
Campanha de candidato republicano foi marcada por retórica antiglobalizaçãoFoto: picture-alliance/AP Photo/R. D. Franklin

Um dos motivos por que Donald Trump venceu a disputa pela Casa Branca foi ter conquistado para si a classe média frustrada – o assim chamado angry white man (homem branco zangado).

Muitos de seus discursos foram marcados por uma acirrada retórica antiglobalização. Ele colocou em questão a cooperação econômica com outros países; disse que pretende renegociar acordos de livre-comércio como o Nafta e impedir que o TTIP, com a União Europeia (UE), sequer se realize. E não só: ele também pretende trazer de volta para os Estados Unidos os postos de trabalho transferidos para a China.

Palavras de ordem desse gênero encontram ressonância, sobretudo, entre a classe média branca. Enquanto os ricos ficavam cada vez mais ricos, também graças às interconexões mundiais, a globalização não trouxe maior prosperidade à classe média.

Para os operários do Rust Belt (cinturão da ferrugem), uma antes próspera região industrial do nordeste americano, é cada vez mais difícil garantir a subsistência. Isso, apesar de manterem vários empregos – mas que são mal pagos. Trump responsabiliza a globalização e o livre-comércio por tais desníveis sociais.

Antiglobalização, um instrumento do populismo contemporâneo

Os estereótipos de inimigos contam entre os instrumentos principais no repertório de um populista. Eles promovem identidade e coesão, desviando a atenção do próprio fracasso. Judeus, muçulmanos, bolcheviques, sionistas, americanos, social-democratas: sempre houve estereótipos hostis de que os populistas se servissem.

Hoje há outro inimigo em curso: a globalização. É cada vez mais comum reduzir-se a uma vaga ameaça esse fenômeno multifacetado. O neoprotecionismo de um Trump não abre um precedente. Os opositores da globalização já estão por toda parte, promulgando medidas protecionistas.

O Brexit (decisão pela saída do Reino Unido da UE) não foi apenas antieuropeu, mas também um rechaço à globalização, incluindo a imigração em massa. Também a Frente Nacional (FN), popular na França, defende um rigoroso protecionismo econômico. Menos populista, porém tão mais decidido, é o movimento na Alemanha contra acordos de livre-comércio como o TTIP ou o Ceta, com o Canadá.

O ex-diretor do Instituto de Economia Mundial (IfW, na sigla em alemão) Rolf Langhammer atribui esse desdobramento ao declínio das taxas de crescimento global nos últimos anos, que acirrou os conflitos de distribuição. Os populistas atribuíram esses problemas à globalização, embora, segundo o especialista, a fonte do mal seja, antes, o progresso tecnológico.

Ascensão e declínio de um mito

Será, então, que o início da presidência de Trump marca o começo do fim para a globalização econômica? O início de uma espiral descendente, gradativamente precipitando a economia mundial em direção ao provincianismo econômico?

É o que faz aponta o índice de globalização do grupo de logística Deutsche Post DHL, segundo o qual tanto os investimentos estrangeiros quanto os fluxos de transações e de capital vêm caindo constantemente desde o princípio da crise econômica, em 2007.

Gustav Horn, diretor do Instituto de Macroeconomia e Pesquisa de Conjuntura (IMK), responsabiliza sobretudo a China por essa conjuntura. Há muito, a economia mundial não roda macia, e medidas protecionistas à la Trump poderão emperrar ainda mais seu motor.

Alguns anos atrás, essa súbita "calmaria da globalização" seria considerada impossível. Há décadas era consenso que a dinâmica global resolvia os problemas do mundo, beneficiando os pobres e multiplicando a prosperidade.

Especialmente desde a abertura da China e a queda da Cortina de Ferro, o comércio internacional e os fluxos de capital vinham aumentando de forma constante. A integração vitoriosa do mercado interno da UE e a consolidação de uma classe média de alto poder aquisitivo na Índia, Rússia e China vieram confirmar a credibilidade de uma "globalização benéfica".

Populistas europeus enaltecem vitória de Trump

Crescimento globalizado

No momento, essa quase euforia perante a globalização retrocedeu temporariamente. O comércio global estanca, a maior economia do mundo terá como presidente um adversário da globalização; por todo o mundo, populistas bradam contra a globalização e o livre-comércio. Será que essa dinâmica que vem crescendo desde a época da industrialização receberá agora o golpe de misericórdia?

É inegável que a globalização também trouxe efeitos positivos. Langhammer lembra que tanto as nações industriais como as emergentes se beneficiaram: centenas de milhões conseguiram escapar à pobreza nos países emergentes e em desenvolvimento, graças à abertura dos mercados nacionais.

Horn lembra que a China, o México e o Brasil, em particular, acusaram crescimento meteórico através do comércio mundial. Por outro lado, ele reconhece que a prosperidade proveniente à globalização deveria ser mais bem distribuída.

Também na Europa o livre-comércio teve efeito positivo. O mercado comum europeu promoveu prosperidade nos países do Sul e do Leste do continente. Da Espanha à Romênia, o padrão de vida melhorou em tempo recorde após a adesão à União Europeia – e, consequentemente, ao mercado comum.

Mais do que isso, o livre-comércio para além das fronteiras nacionais na Europa foi um catalisador da paz e da compreensão entre os povos. As interligações econômicas tornam quase impossível uma guerra. A globalização uniu seres humanos das mais diferentes culturas. Assim, quem se posiciona contra ela incentiva as iniciativas solitárias nacionalistas.

Protecionismo não é a solução

Trump gostaria de isolar os EUA e restringir o comércio em nível mundial. No entanto, o plano de colocar os acordos de livre-comércio sob sindicância nada traria à classe média americana frustrada.

Para Horn, a política econômica de Trump prejudicaria a real-economia e os mercados financeiros, a longo prazo. Mais importante, porém: ela não serve em absoluto à classe média. A redução do imposto sobre fortunas agravará ainda mais a desigualdade e reforçará a distribuição de capital de baixo para cima.

Tanto o diretor do IMK quanto Langhammer estão convencidos de que uma política econômica que prejudique os acordos de livre-comércio não resolverá os problemas da classe média americana.

O ex-diretor do IfW chama a atenção para o aspecto do avanço tecnológico: os EUA possuem, de fato, numerosas universidades de ponta, mas seu sistema de ensino é basicamente desigual. Num país caracterizado pela alta tecnologia e não pela indústria, a mão de obra bem treinada teria uma situação mais fácil. Além disso, deixou-se de realizar uma reforma estrutural em polos industriais como o Rust Belt.

A globalização proporcionou crescimento econômico, prosperidade e entendimento entre os povos. Devido ao alarmismo dos populistas e dos idealistas político-sociais, contudo, ela passou a ser associada antes a riscos do que a chances.

Em muitos casos, a insuficiente distribuição de capital, tanto nos países emergentes quanto nos industrializados, tem causas mais complexas, como reforma estrutural, corrupção, uma economia mundial vacilante – a lista é praticamente infinita.

Fazer retroceder a roda da globalização não é apenas pouco pragmático, mas fomenta, no fim das contas, o isolamento econômico e social – um desdobramento que definitivamente não é sinônimo de mais prosperidade.