"Turismo médico é negócio gigantesco", aponta especialista
12 de janeiro de 2018Duas faces dos direitos humanos: como chefe da Justiça do Irã, o aiatolá Mahmoud Hashemi Shahroudi condenou centenas à morte, entre 1999 e 2009. Entre eles, a execução por adultério de uma jovem de 16 anos que fora estuprada; ou um menino de 13 anos que apresentava comportamento homossexual.
Possivelmente sofrendo de um tumor no cérebro, na Alemanha o "juiz da morte" está recebendo os melhores tratamentos médicos disponíveis – "de luxo" segundo o tabloide Bild. Políticos alemães e representantes curdos exigem que ele seja detido na clínica em Hannover e entregue à Justiça.
O fato coloca em foco esse negócio bilionário para o país: o "turismo médico", setor que há 15 anos Jens Juszczak pesquisa na Faculdade Bonn-Rhein-Sieg. Em entrevista à DW, ele revela o número dos pacientes envolvidos e os lucros que eles trazem ao país. "Porém quem mais lucra são as clínicas universitárias e as grandes clínicas comunitárias – o que também traz vantagens diretas para os pacientes alemães", ressalva.
DW: O turismo de saúde atrai quantas pessoas por ano à Alemanha?
Jens Juszczak: A cada ano entre 230 mil e 250 mil pacientes de 177 países recebem tratamento estacionário ou ambulatorial nas instituições de saúde alemãs. Mais de 100 mil são internados. Mas é preciso diferenciar entre permanência hospitalar planejada e não planejada. Visitantes estrangeiros que, durante as férias, uma viagem de negócios ou de passagem pela Alemanha sofrem acidentes ou adoecem também são, naturalmente, registrados como pacientes estrangeiros.
É possível estimar qual é a parcela dos que não vão parar por acaso num consultório ou hospital da Alemanha, mas que realmente planejaram e vieram intencionalmente à Alemanha para um tratamento médico?
Infelizmente não há números confiáveis. Mas as estimativas falam em 40% a 45% viagens médicas planejadas.
De onde vêm os pacientes, basicamente?
A maioria vem dose nossos vizinhos, como Polônia, Holanda ou França. Sobretudo os pacientes das regiões fronteiriças utilizam as possibilidades de tratamento nos países próximos. Mas também temos muitos pacientes da Rússia, da Comunidade dos Estados Independentes [CEI, formada por 11 repúblicas da antiga União Soviética] e dos Estados árabes do Golfo Pérsico. Mas sobretudo dos Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e Kuwait muitos vêm se tratar na Alemanha.
Houve variações nos últimos anos, em relação aos países de origem?
Isso está sempre em mutação. No tocante ao mercado não europeu, há pouco menos de dez anos as nações árabes dominavam. Só que a demanda por parte delas é relativamente volátil: quando algo se altera na política ou na economia por lá, isso também tem, via de regra, impacto dramático sobre a demanda: o número dos pacientes pode se reduzir à metade, de um ano para o outro.
Nos últimos anos, a Rússia vinha sendo o mercado dominante, cada vez mais gente de lá e dos outros Estados da CEI vinha se tratar na Alemanha. Isso mudou com o início do conflito russo-ucraniano; as sanções da União Europeia tiveram grandes efeitos sobre a demanda. Em 2015 se registrou um decréscimo de mais de 30% entre os pacientes russos. A isso se somam ainda, claro, as más condições econômicas, como a queda do rublo ou o baixo preço do petróleo, naturalmente também trazendo suas consequências.
O que o turismo médico representa em termos econômicos? Que quantias se faturam com ele?
Nós calculamos que os pacientes estrangeiros trazem mais de 1,2 bilhão de euros de renda adicional. Esse dinheiro vem de outras economias nacionais, e não da redistribuição interna de verbas alemãs, é dinheiro extra que fica disponível para o nosso sistema de saúde. Com ele, os hospitais podem contratar pessoal adicional, adquirir novos aparelhos e assim por diante, o que também traz vantagens diretas para os pacientes alemães. A esses 1,2 bilhão de euros se acrescenta pelo menos a mesma soma nos setores de turismo, hospedagem e comércio.
Para que clínicas os pacientes vão? São as particulares que ficam com a parte do leão desses negócios?
Certamente as clínicas privadas também lucram, especialmente se oferecem medidas de reabilitação. Mas quem mais lucra são as clínicas universitárias e as grandes clínicas comunitárias, como, por exemplo, a Clínica Universitária de Freiburg, ou a Vivantes, em Berlim. Esses são os endereços mais atraentes, também para a clientela estrangeira.
Há clínicas ou cidades que sejam especialmente apreciadas pelos pacientes do exterior?
São sobretudo as cidades com clínicas universitários, como Munique, a região Köln-Bonn-Düsseldorf ou Berlim. Também a região dos rios Reno e Meno ou Hamburgo são hotspots.
Há intervenções ou campos medicinais especialmente relevantes para os pacientes estrangeiros, os "turistas médicos"?
Basicamente são as mesmas intervenções realizadas nos pacientes alemães, é claro. As áreas de maior demanda são a ortopedia, medicina clínica, cardiologia e cirurgia. Considerando os mercados nacionais específicos, no entanto, notam-se, sim, variações.
Entre os pacientes da CEI dominam sobretudo os tratamentos oncológicos. Isso ainda se deve aos estragos causados por Tchernobil: grande parte vem para a Alemanha apresentando tumores que precisam ser curados. Nos Estados do Golfo, devido à alimentação errada e pouco movimento, é grande a demanda do tratamento de doenças do metabolismo, assim como de outras disciplinas relacionadas, como a cardiologia, afecções do aparato de movimento e oftalmológicas, hipertensão, etc.. Acrescentem-se ainda, os campos de especialização em que, nos respectivos países, a oferta médica é pouca ou nula, como a neurologia infantil ou a reabilitação.
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