TV paquistanesa lança série em que heroína veste burca
31 de julho de 2013A super-heroína paquistanesa Jiya tem o rosto e o corpo cobertos por um véu negro, que deixa à mostra apenas os olhos e os dedos das mãos. Mas a protagonista da série de animação Burka Avenger usa essa vestimenta apenas nas cenas de combate, em que luta com seus superpoderes contra o mal no Paquistão. Suas armas são livros e canetas.
A ideia é sinalizar que a força desses objetos é maior que a da espada, explica o criador da série, Haroon Rashid. "Queremos mostrar ao espectador que a educação pode resolver muitos problemas", diz, em entrevista à DW.
A série, com 13 episódios de 22 minutos cada, estreou no último domingo (28/07) no Paquistão. Ela conta a história da super-heroína e professora Jiya e também de três crianças da cidade imaginária Hawalpur.
Véu como disfarce
A protagonista veste na verdade um niqab – véu islâmico que, diferentemente da burca, deixa os olhos à mostra. E a decisão de vesti-la assim esbarrou em resistência tanto dentro quanto fora do Paquistão. O véu é tido por muitos como um símbolo da opressão às mulheres.
"No Ocidente, a burca tem um caráter simbólico muito forte e, por isso, costuma assustar", explica Sabine Schiffer, do Instituto de Responsabilidade da Mídia, localizado na Alemanha. "Mas a super-heroína não corresponde ao clichê: ela luta habilidosamente contra a desigualdade."
Em Burka Avenger, o véu remete à roupa de um ninja. "Ela serve apenas para esconder a identidade, como fazem também outros super-heróis", justifica Rashid. Além disso, a ideia era dar à série um toque da cultura local.
O criador optou propositalmente contra uma vestimenta que remetesse às usadas por personagens como Mulher-Gato e Mulher-Maravilha. Para ele, muitas das super-heroínas ocidentais mostram demais o corpo, transformando as mulheres em objetos sexuais.
Burka Avenger aborda assuntos que vão da proteção do meio ambiente até os direitos das minorias. Embora contenha críticas à sociedade paquistanesa, utiliza também uma linguagem divertida e adequada ao universo infantil. Cenas de combate envolvendo brutalidade dão lugar a diálogos leves.
Em um dos capítulos, por exemplo, um mágico constrói um robô que deve dominar o mundo. Os planos eram enviar o robô a uma viagem pelo planeta, mas o mágico não consegue um visto de entrada na União Europeia para ele.
O primeiro capítulo mostra os conflitos em torno de uma escola, localizada em um povoado, prestes a ser fechada. A heroína de burca, porém, pode evitar que isso aconteça. Trata-se de uma situação familiar entre os paquistaneses. Por serem contra a educação das mulheres, os talibãs fecharam centenas de escolas no país.
A história lembra sobretudo o caso de Malala Yousafzai. Em outubro de 2012, extremistas tentaram matar a jovem quando ela voltava da escola para casa. A jovem havia criticado abertamente os talibãs e se engajado em prol da educação das mulheres no país.
Público paquistanês como alvo
Com a série, Rashid pretende alcançar principalmente o público paquistanês. No momento, a animação está sendo transmitida por um canal de TV privado em urdu, a língua oficial do Paquistão. Planeja-se transmiti-la também em pachto, um dos idiomas oficiais do Afeganistão e falado também no noroeste paquistanês.
Rashid desenvolveu também um aplicativo para celulares para acompanhar a série. "Pois foi assim que tudo começou ", conta ele sobre a origem da animação. Há três anos, Rashid e um especialista em TI desenvolveram um aplicativo sobre uma mulher que lutava de burca. Para divulgar o aplicativo, criaram uma animação. O sucesso foi tamanho que Rashid resolveu transformá-la em série de TV.
A maior parte da série foi financiada pelo próprio criador. A trilha sonora também foi criada por ele, pois Rashid já foi membro de uma banda relativamente popular no Paquistão. Cada capítulo apresenta canções escritas e interpretadas por ele ou por algum astro do rock paquistanês.
Segundo o criador de Burka Avenger, o principal objetivo da série é fazer com que as pessoas riam, ou seja, divertir o público e disseminar mensagens sociais positivas à juventude. Entre elas estão as de que não há diferença entre as pessoas e a educação contribui para melhorar as condições de vida.
"A mensagem da série de que é possível conseguir tudo através da educação não corresponde à realidade do Paquistão", diz Schiffer. Infelizmente, afirma a especialista alemã, livrar-se das amarras do sistema social de classes não é tão fácil assim.