UE aliviada com Biden, mas futuro promete conflitos
9 de novembro de 2020Nos últimos anos, o presidente da França, Emmanuel Macron, se esforçou muito por manter um bom relacionamento com Donald Trump, mas a vitória de Joe Biden lhe mais é apropriada. "Temos muito a fazer para enfrentar os atuais desafios. Vamos trabalhar juntos", tuitou Macron em francês e inglês logo após as principais emissoras de TV dos Estados Unidos indicarem Biden como o vencedor na eleição presidencial americana.
Ao contrário da eleição de Trump há quatro anos, com Biden os governos europeus sabem com quem estão lidando. Poucos presidentes dos Estados Unidos conquistaram o cargo acumulando tanta experiência em política externa.
Biden tem raízes francesas e irlandesas
Já em sua época como senador, Biden se ocupava com política externa e escreveu um estudo perspicaz sobre as guerras dos Bálcãs no início dos anos 1990. Como vice de Barack Obama, o democrata foi convidado da Conferência de Segurança em Munique, o principal fórum transatlântico de debates. Joseph Robinette Biden, que tem raízes irlandesas e francesas, conhece a Europa − e os europeus o conhecem.
O futuro presidente dos Estados Unidos planeja abordar uma questão importante de política externa imediatamente após tomar posse, em 20 de janeiro: a volta ao Acordo de Paris sobre o Clima. A saída dos EUA anunciada por Trump entrou em vigor em 4 de novembro último, um dia após a eleição presidencial no país.
O retorno ao acordo é bem recebido em todo o mundo, mas para a França tem um significado especial. Afinal, ele foi assinado na capital francesa, com o presidente da República.
Política interna terá prioridade
O regresso ao multilateralismo prometido por Biden é inteiramente do interesse dos parceiros europeus. O primeiro dia de Joe Biden no Salão Oval deve, portanto, proporcionar satisfação na Europa. Além de voltar ao acordo do clima, Biden também quer reverter a saída dos Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde (OMS). Já em relação ao Irã, Biden defende uma ruptura com a política externa de seu antecessor e uma reaproximação com a Europa para reativar o acordo nuclear.
Mas em Londres, Paris ou Berlim não há ilusões: mesmo um Biden na presidência dos Estados Unidos vai tratar prioritariamente questões políticas internas. Os assessores de política externa de Biden já haviam comunicado essas prioridades durante a campanha eleitoral, como apontou François Heisbourg, ex-diretor da Fundação para a Pesquisa Estratégica, de Paris. Em vista do resultado apertado e dos mais de 70 milhões de votos para Donald Trump, o foco na política interna dos EUA é ainda mais justificado.
A pandemia de covid-19 está no topo da agenda de Biden − assim como a política econômica. Em seu discurso logo após o anúncio de sua vitória, a proteção do clima foi o único tema de política externa que citou.
EUA: sem volta ao papel de policial mundial
Os europeus podem esperar que as relações com os EUA relaxem significativamente sob o presidente Biden. Em termos de conteúdo, haverá também uma certa continuidade com a política externa de seu antecessor em muitas questões: a relutância militar dos EUA não mudará com o presidente Biden. Pelo contrário: já ao lado de Obama, ele pedira uma rápida retirada das tropas americanas do Iraque.
Da mesma forma que para Trump, também para Biden a Europa não é a região do mundo decisiva em termos de política externa. Washington olha principalmente para a Ásia e vê a ascensão da China como a maior ameaça à segurança e à prosperidade. Isso já havia se tornado evidente no governo de Barack Obama.
Ponto de discórdia: 2% para a Otan
Observadores apontam que Biden até pode se tornar um parceiro mais desconfortável do que seu antecessor. Enquanto Donald Trump exibia abertamente seu desrespeito pelas instituições ocidentais, os governos da UE foram capazes de ignorar as exigências de Washington mais facilmente do que seria possível com desejos do futuro presidente americano, mais pró-europeu.
Também Biden pode continuar pressionando por maiores gastos militares por parte dos europeus e lembrá-los de seu compromisso com a Otan, de reservar 2% do produto interno bruto para fins militares.
Segundo o cientista político Heisbourg, a dificuldade para a UE assumir mais responsabilidade pela política de segurança é demonstrada na parte oriental do Mediterrâneo: "Desde 2013, os EUA não desempenham nenhum papel de liderança na região. Turquia, Rússia e outras potências podem fazer ali praticamente o que querem. "
A UE, segundo Heisbourg, deveria mostrar mais interesse por essa região, mas não o faz. "Vemos como é difícil preencher o vazio estratégico que os EUA deixaram."
Controversa medição de forças com a China
Além disso, o futuro chefe da Casa Branca vai esperar da Europa uma aliada na medição de forças com a China. Resta saber se os europeus, que até agora viam a China principalmente como um mercado de vendas e parceiro comercial, vão abraçar a causa.
Em suma: na política econômica, é provável que rapidamente surjam conflitos com a nova administração dos Estados Unidos. Em dezembro, a França será o primeiro país da UE a impor um imposto especial sobre as principais empresas de internet dos Estados Unidos. E há ainda a disputa sobre subsídios estatais ilegais para a Boeing. A Organização Mundial do Comércio (OMC) permitiu que a UE impusesse bilhões em tarifas.
O potencial de conflito nessa área é grande − principalmente porque o futuro presidente não deixou dúvidas de que também deseja seguir uma política econômica protecionista. Biden planeja obrigar órgãos públicos dos Estados Unidos a usar bens e serviços "Made in USA".
Mas, antes de Joe Biden assumir, Donald Trump ainda ficará na Casa Branca por uns bons dois meses e meio. Esta fase de transição pode ser crítica não só em vista de um agravamento da pandemia de coronavírus.
Mesmo assim, os governos na Europa estão aliviados, porque em um segundo mandato de Trump, analisa François Heisbourg, a saída dos EUA ou sua retirada gradual da Otan estariam na ordem do dia.