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Um ano de salário sem trabalho

Ben Knight (ek)8 de outubro de 2015

Iniciativa de "crowdfunding" concede a sorteados mil euros por mês durante um ano, em experimento que reacende antigo debate na Alemanha sobre o impacto do dinheiro fácil sobre a vida das pessoas.

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Foto: dapd

O que você faria se ganhasse mil euros por mês? Ou melhor, o que aconteceria se o governo lhe fornecesse uma renda mensal, suficiente para garantir uma vida confortável, mas sem muitos luxos, e o fizesse incondicionalmente, independente de suas reais necessidades, de seus outros rendimentos, ou até mesmo de sua idade? Você continuaria trabalhando? A sociedade entraria em colapso se todos no país recebessem essa renda mensal?

São essas perguntas que a iniciativa alemã Mein Grundeinkommen (Minha renda básica) vem tentando responder.

Lançada em julho de 2014, a campanha online de crowdfunding (financiamento coletivo) realiza mensalmente um sorteio, cujo vencedor passa a receber mil euros por mês, durante um ano. Até então, tem dado certo: 15 pessoas já ganharam, e a organização conseguiu arrecadar dinheiro suficiente para financiar os dois próximos vencedores. Entre os sortudos estão estudantes, pais de família, aposentados, desempregados, além de duas crianças, uma de quatro anos e outra de oito.

As regras do sorteio são simples. Para participar, não é necessário doar dinheiro, ser cidadão alemão ou fornecer dados pessoais, apenas um endereço de e-mail. Além disso, não há limite de participações, e os pais podem inscrever seus filhos. Um bônus: o dinheiro recebido não está sujeito a impostos, já que é considerado um prêmio.

Um país de preguiçosos?

A iniciativa trouxe à tona um antigo debate: dinheiro que vem fácil torna o povo preguiçoso? Os organizadores têm uma opinião clara sobre isso. "No início, não há uma grande mudança para as pessoas", diz Michael Bohmeyer, fundador do projeto, em entrevista à DW.

"O que muda é que elas passam a ter mais coragem e segurança. Dizem que estão dormindo melhor e que têm menos com que se preocupar. Todas que já tinham um emprego antes de ganhar o sorteio continuaram trabalhando."

Segundo Bohmeyer, um dos vencedores é portador de uma doença mental crônica, e sua saúde vinha se agravando por conta das burocracias com que tinha de lidar constantemente para manter seus benefícios e assegurar sua renda. "Desde que ganhou o sorteio e passou a receber sua renda básica, não teve mais nenhum ataque. É como se ele não estivesse mais doente", conta o fundador. "Esses pequenos efeitos psicológicos têm consequências diferentes, mas todos dizem respeito a essa nova segurança adquirida."

Na imprensa ou no próprio site da campanha, ganhadores de outras edições também falam sobra a nova liberdade obtida com a renda mensal oferecida pelo sorteio. "Estou incrivelmente feliz e me sentindo cheio de energia, especialmente porque sei que posso fazer tudo aquilo que amo", escreveu Christoph, de 26 anos, atendente de call center e um dos primeiros vencedores.

A Mein Grundeinkommen não coleta dados sobre as condições financeiras de seus beneficiados, mas Bohmeyer notou que mesmo aqueles de classe média têm tido experiências positivas. "Há uma família que representa perfeitamente a classe média - eles moram numa casa própria no sul da Alemanha, seus filhos têm aulas de piano. Eles até pensaram se deviam mesmo aceitar a nossa verba", relata o organizador. "Mas perceberam, depois de receber o dinheiro, como antes lhes faltava liberdade, com quantos medos e preocupações tinham de conviver sem nem mesmo refletir sobre isso."

Deutschland Arbeitslosigkeit
Alguns dizem que a renda básica cortaria muitas burocraciasFoto: Getty Images

Bohmeyer conta que o mesmo aconteceu com ele. "Foi apenas quando não precisei mais trabalhar para ganhar dinheiro que percebi quanta pressão havia. Não importa quanto dinheiro você tinha antes", diz ele. "O que importa é de que forma você se define baseando-se em quanto ganha e no que faz. Se isso for extraído de suas necessidades, você se sentirá muito mais livre."

A iniciativa é completamente apolítica. Em nenhum momento, o site tentamprovar qualquer argumento ideológico ou defender algum programa político. "Não estamos tentando convencer ninguém de nada. Nossa equipe está muito empolgada com a campanha, mas não sabemos nem mesmo se ela vai dar certo", explica Bohmeyer.

Ronald Blaschke, porta-voz da organização Basic Income Network (Rede Mundial da Renda Básica), mantida por ativistas e acadêmicos, acredita que o sorteio promovido pelos alemães não pode ser visto como um experimento sério, principalmente porque as pessoas sabem que o dinheiro não virá mais depois de um ano. "Não podemos dizer que se trata de um estudo empírico, que explicará como as pessoas se comportam ao receber uma ajuda financeira", afirmou à DW.

"Dinheiro do cidadão"

A ideia de uma renda básica tem sido tema dos debates políticos na Alemanha há anos. Os principais partidos, incluindo a União Democrata Cristã (CDU), de Angela Merkel, têm discutido o assunto pelo menos internamente. Em 2006, o democrata-cristão Dieter Althaus propôs o conceito do "dinheiro do cidadão", uma quantia de 800 euros por mês.

Ronald Pofalla, então secretário-geral do partido, chegou a ser citado no jornal Tagesspiegel ao considerar a ideia "visionária", até porque ela cortaria muitas burocracias. "Chega de formulários, chega de comprovantes de situação financeira", disse ele na ocasião.

Mas Pofalla, assim como o Partido Social-Democrata (SPD), carregava dúvidas sobre o efeito de uma renda básica mensal no mercado de trabalho. Para o então secretário-geral do SPD, Hubertus Heil, o plano levaria "o povo a desistir, a ser taxado como inútil, a ser empurrado a um beco sem saída".

Ao longo da história, a ideia da renda básica chegou a ganhar força também em outros países. Estudos, comissões e programas-piloto chegaram a ser desenvolvidos no Canadá, no Alasca, na Namíbia e na Índia - embora eles tenham incluído algumas condições e compromissos.

Mesmo nos Estados Unidos, um projeto de lei chamado "Rendimento anual garantido" foi aprovado na Câmara dos Representantes em 1970, mas não passou pelo Senado. Em junho deste ano, a Finlândia se tornou o primeiro país europeu a concordar, pelo menos a princípio, em fornecer uma ajuda financeira a seus cidadãos – apenas àqueles que trabalhem –, mas o valor ainda não foi definido.

Blaschke insiste que a ideia de uma renda básica livre de condições, de comprovações financeiras e de obrigações ainda não foi devidamente testada no mundo. Será porque a sociedade humana será sempre baseada no trabalho?

"Ninguém pode negar que você precisa de um trabalho para viver", diz o porta-voz da Basic Income Network. "Quando um bebê nasce, os pais precisam trabalhar para aquela criança sobreviver – a questão aqui é o que você entende por trabalho." Ele argumenta que há uma diferença entre trabalho e o trabalho que tem um valor econômico. Para o ativista, trata-se de um direito humano básico: "O ser humano tem o direito de viver mesmo sendo útil ou não à sociedade", frisa.