Um quê de trópico no Hemisfério Norte
16 de julho de 2003Em toda parte do país, os alemães sentem-se nestes dias como se estivessem em férias no sul do continente. Céu azul com poucas nuvens, sol da manhã até o anoitecer, termômetros em alta, o que mais se pode esperar do verão? Até as águas do Mar do Norte, com seus atuais 20 graus centígrados, fazem qualquer banhista se esquecer do Mediterrâneo.
Quem não fechou a tempo um pacote para uma viagem longa — muitos por precisarem economizar, nestes tempos difíceis — está feliz da vida. Moradores de Hamburgo, Baixa Saxônia e Schleswig-Holstein, privilegiados pela proximidade, vêm invadindo as areias do litoral no norte do país. E, mesmo em outras regiões, sempre há por perto uma possibilidade de se refrescar: lagos, represas e até o rios, com as águas baixas em conseqüência da seca, atraem veranistas para suas margens. As piscinas ao ar livre estão registrando recordes de movimento. Os olhos dos vendedores de sorvetes brilham de satisfação.
O outro lado da moeda
Mas nem tudo é alegria e felicidade neste verão sem igual. A navegação fluvial, por exemplo, já está sofrendo as conseqüências das chuvas escassas dos últimos meses. No Rio Elba, leste da Alemanha, mal passados 12 meses da enchente do século, o tráfego dos navios e barcos precisou ser sensivelmente limitado de uns dias para cá. No Lago de Constança, sul do país, os turistas precisam desistir dos apreciados passeios de barco.
Mas é principalmente na agricultura que os efeitos mais se fazem sentir. A colheita de cereais na Alemanha começou duas semanas mais cedo do que nos anos anteriores. Qualidade e quantidade deixam muito a desejar. Em alguns lugares, como Brandemburgo, no leste do país, choveu de janeiro a junho 80% a menos do que a média registrada ao longo dos anos. Dependendo da região, os agricultores contam com uma quebra entre 15% e 75% na produção de grãos.
Falta d'água e ameaça de apagão
O tempo quente e seco não é um fenômeno localizado: toda a Europa encontra-se como que sob uma campânula. O prefeito de Londres, Ken Livingstone, prometeu uma recompensa de 100 mil libras esterlinas (144 mil euros) a quem for capaz de inventar um sistema de ar condicionado apropriado para o metrô londrino.
O que mais preocupa, porém, é a escassez de água, que já levou a apelos das autoridades na França e na Itália para que a população economize. O norte da Itália, principalmente, está passando pela pior seca dos últimos 100 anos, o que está ameaçando a produção de energia elétrica em alguns pontos do país e criando uma situação catastrófica para a agricultura. A produção de frutas e verduras está bastante comprometida, ocasionando já aumento no preço das mercadorias. Os meios de comunicação italianos perguntam-se quando vai ser decretado o estado de emergência.
Até os Alpes suíços — quem diria — estão sofrendo as conseqüências do calor. No Matterhorn, com seus 4478 metros de altitude, penhascos desprenderam-se a uma altura de 3400 metros e despencaram montanha abaixo, numa hora em que havia grande movimento de alpinistas. Por sorte ninguém foi ferido. O descongelamento progressivo das geleiras também está ocasionando a precipitação de grandes blocos de gelo que, por sua vez, fazem o nível dos riachos alpinos subir repentinamente. O descongelamento do gelo eterno representa um novo perigo, adverte o catedrático de geografia Wilfried Haeberlin, de Zurique. Ninguém sabe o que ocorrerá aos penhascos cuja estabilidade depende das camadas de gelo que os encobrem há milênios.
Enquanto isso, os termômetros não param de subir. Para esta quarta-feira (16/07), os meteorologistas contam com temperaturas recordes entre 34ºC e 36ºC.