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História

Uma missão fracassada ao lado de Che Guevara

João Pedro Soares | Gabriel Vasconcelos
14 de junho de 2018

Aos 81 anos, ex-general cubano conta como acabou sendo parceiro do líder comunista na frustrada guerrilha do Congo. Era a primeira missão internacional do regime cubano.

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Che em acampamento com soldados cubanos e congoleses, em 1965
Che em acampamento com soldados cubanos e congoleses, em 1965Foto: Getty Images/AFP

"Esta é a história de um fracasso." Assim, Che Guevara, que completaria 90 anos nesta quinta-feira (14/06), inicia seu relato sobre o movimento guerrilheiro que ajudou a organizar na República Democrática do Congo, em 1965, dois anos antes de ser morto na selva boliviana.

Tal como outras de suas derrotas políticas, a história contada no livro Passagens da Guerra Revolucionária virou apenas uma nota de rodapé na biografia do líder guerrilheiro, mas ganha outra perspectiva nas palavras de Victor Dreke.

O general aposentado de 81 anos foi subcomandante do médico argentino na primeira investida de Cuba em apoio a movimentos de libertação africanos.

Prestigiado pela atuação na Lucha Contra Bandidos (1959-1965), como ficou conhecido o combate a opositores financiados pela CIA, Dreke servia no Exército Central, na cidade de Santa Clara, quando recebeu uma proposta que o levaria de volta ao front. Aceitou participar sem saber do que se tratava.

"Deveriam ser negros, bem negros"

O pedido vinha diretamente de Fidel Castro: comandar uma missão especial e recrutar cem jovens soldados que seguiriam para um destino ainda desconhecido.

"Havia uma instrução importante: deveriam ser negros, bem negros. Quando ouvi aquilo, achei um pouco racista", contou na Embaixada de Cuba em Bruxelas.

Dreke passou, então, a percorrer os quartéis da região. Ele já tinha seus escolhidos. "Eu os conhecia bem. Com alguns, lutei desde a guerrilha. Eram dez, 12 anos juntos", relembra.

O veterano frisa que a adesão era voluntária. Quem aceitava deveria dizer à família que iria para um treinamento na União Soviética. Por algumas semanas, os cem homens se prepararam em uma zona de mata sem acesso a energia elétrica, onde receberam visitas frequentes de Fidel.

Victor Dreke
"Ele não ficou famoso ali como guerrilheiro, mas como médico", conta o ex-general Victor Dreke sobre missão no CongoFoto: G. Vasconcelos

Na véspera da partida, uma surpresa: Dreke foi informado de que não estaria mais à frente da operação. Por ordem de Fidel, ele daria lugar a um comandante de nome Ramón, de quem o militar nunca ouvira falar.

"Pensei que fosse um soviético, porque éramos poucos comandantes naquela época, e eu nunca tinha ouvido falar de Ramón algum. Achei estranho, mas aceitei sem relutar", comenta Dreke.

No mesmo dia, foi levado até uma casa onde estavam José María Tamayo – revolucionário cubano conhecido como "Papi" – e o novo chefe da missão. Era Che Guevara, em versão bem diferente da do retrato Guerrilheiro Heroico, registrado pelo fotógrafo Alfredo Korda em 1960 e que estampa camisetas até hoje.

"[Usava] um corte de cabelo muito conservador, um grande bigode negro e um terno de tecido escuro, muito britânico, com uma gola dura de banqueiro e uma gravata de cores sérias", descreveu o escritor colombiano Gabriel García Márquez na revista Algarabía – um raro relato sobre o disfarce de Che na ocasião.

Sentado, na sala, Dreke tentava entender o que se passava, enquanto "Ramón" remexia papéis na companhia de Osmany Cienfuegos, irmão de Camilo Cienfuegos Gorriarán – terceiro maior nome da Revolução Cubana. A dupla logo se aproximou. O irmão de Camilo insistiu que o novo comandante não era um estranho. "Você o conhece, coño", exclamou.

"Companheiro, eu nunca o vi", retrucou Dreke. Só então Guevara se apresentou e chamou o subordinado pelo sobrenome. "Ao saber quem era aquele senhor totalmente desconhecido, eu me pus ainda mais de pé", conta Dreke.

Sem perceber, o futuro general passara por um teste imposto por Fidel aos homens que melhor conheciam Guevara. Era importante que nem eles conseguissem reconhecê-lo no disfarce. Com o ex-ministro prestes a entrar na clandestinidade, o regime temia que ele fosse capturado, executado e, sua morte, atribuída ao governo.

Em 1º de abril de 1965, o trio formado por "Ramón", Dreke e Tamayo iniciou o périplo rumo ao Congo em voos comerciais. Com passaportes falsos, eles passariam por Moscou, capitais da Europa Oriental, Argel, Cairo e Nairóbi, até chegar a Dar es Salaam, então capital da Tanzânia.

De lá, seguiram para o Lago Tanganica, rota de travessia para o Congo. Junto com 11 combatentes que se juntaram ao grupo ainda na Tanzânia, eles desembarcaram no sudeste do Congo, em 24 de abril. Ficara acertado que, em um primeiro momento, Dreke se apresentaria como o chefe, Guevara seria o "doutor Tatu", médico e tradutor.

"Che falava francês e um pouco de todos os dialetos. Nas primeiras reuniões, ele traduzia o que eu dizia. Sem entender o idioma, eu pensava: não falei tudo isso", conta Dreke rindo.

Não foi uma escolha gratuita. Era, ao contrário, confortável para Che. "Ele não ficou famoso ali como guerrilheiro, mas como médico. Como fazem os nossos na ilha e outros países, saía pela manhã visitando os lugares e distribuía os poucos medicamentos que tínhamos", relata Dreke.

"A história de um fracasso"

Depois de sete meses, após constatar a pouca unidade dos soldados africanos e a perda de apoio internacional, Che decidiu, a contragosto, encerrar a primeira missão internacional do regime cubano. Mas mandou uma carta a Fidel dizendo que Dreke "era um dos pilares em que confiava".

Após deixarem a África, os companheiros não seguiram pelo mesmo caminho. Che mantinha vivo o desejo de exportar a revolução e organizou nova expedição revolucionária. Na Bolívia, foi capturado e executado dez meses após sua chegada, em outubro de 1967.

A relação de Dreke com a África se manteria viva. Nos anos seguintes, liderou missões bem-sucedidas nas guerras de libertação de Guiné-Bissau/Cabo Verde e República da Guiné.

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