Uma nova era para os socialistas na França
30 de janeiro de 2017Pode haver quem pense que o resultado da primária socialistas na França não tem grande importância. Ao menos não para a eleição presidencial deste ano. Afinal, o Partido Socialista está em quinto lugar nas pesquisas – atrás de Marine Le Pen, da Frente Nacional, do conservador François Fillon, do ex-ministro da Economia Emmanuel Macron, de centro-esquerda, e do esquerdista Jean-Luc Mélenchon.
No entanto, para os socialistas, o resultado da primária é prenúncio de uma nova era. Ele deve trazer tempos tempestuosos ao partido e, no pior dos casos, até sua fragmentação, mudando o cenário político francês.
O segundo turno da primária foi uma questão de princípios para os socialistas. Foi uma escolha entre uma política de centro-esquerda, encarnada pelo ex-primeiro-ministro Manuel Valls, e uma linha direcionada fortemente à esquerda, personificada pelo ex-ministro da Educação Benoît Hamon.
A derrota de Valls, que recebeu 41% dos votos contra 59% de Hamon, é uma espécie de um tapa na cara de François Hollande, que segundo pesquisas é o presidente mais impopular da Quinta República Francesa (em vigor desde 1958).
Isso porque, nesta votação, o ex-premiê era o símbolo da política dos últimos cinco anos. Valls representava, por exemplo, a controversa lei trabalhista que afrouxou a proteção contra demissões, além de uma linha dura contra o terrorismo. No entanto, os eleitores votaram exatamente contra isso. Para muitos se fez valer o lema tout sauf Valls, ou seja, tudo menos Valls. E, consequentemente, tudo exceto Hollande.
E os eleitores optaram por Hamon, o ex-ministro da Educação que já no começo do governo Hollande tinha se aliado aos frondeurs, dissidentes do Partido Socialista na Assembleia Nacional. Eles têm votado sistematicamente contra legislações propostas pelo governo, por não estarem suficientemente de acordo com sua visão de esquerda.
Renda básica e menos trabalho
Hamon apoia, entre outras coisas, uma semana com carga de trabalho de 32 horas e uma renda básica incondicional para todos. Propostas classificadas como irrealistas por Valls. Para Hamon, porém, elas são um "futuro desejável". Os franceses, aparentemente, querem exatamente isso: uma esquerda que estimule o sonhar.
"É como se tivesse surgido uma nova era", afirma o cientista político Bruno Cautrèsm, do instituto Ceviprof, de Paris. "O tempo de união, sob qual alguém como François Hollande conseguia unir todas as diferentes correntes da esquerda sob uma única bandeira, acabou. Em vez disso, agora é deixado claro quais são exatamente os valores do Partido Socialista."
Algo que não entusiasma todos os membros do partido. E pode até levar com que alguns migrem – seja se aliando a Macron, que defende uma política orientada ao mercado, ou para uma nova legenda que seja mais centrista. Vários partidários da ala centrista da legenda socialista anunciaram que pretendem exercer o seu "direito de se retirar". Ou seja, eles querem "por desencargo de consciência" não estar envolvidos na campanha eleitoral de Hamon.
"Trabalhamos muito duro nos últimos anos para a política do governo e não podemos, de repente, defender o oposto", disse o deputado Gilles Savary, que pretende apresentar um texto correspondente durante o encontro de parlamentares socialistas na terça-feira.
Nos bastidores, alguns partidários não excluem um terceiro caminho. Eles podem fundar um novo movimento – entre a visão sonhadora de Hamon e a linha realista e brutal de Valls.
Ameaça de maior desintegração
Uma fragmentação do Partido Socialista não faria nenhum bem, afirma Florence Faucher, cientista política do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po). "Para o partido as coisas realmente não parecem boas", diz. Atualmente a legenda tem apenas 113 mil membros, 60 mil a menos que em 2012. "E a cada exclusão ela perde ainda mais receita."
Hamon está tentando obter mais apoio da esquerda – algo que o agora candidato presidencial dos socialistas disse em seu discurso de vitória no domingo, em Paris. Ele deseja "formar uma maioria governamental coerente" com o Partido Verde e a esquerda de Mélenchon.
De fato, suas propostas em relação à proteção ambiental são praticamente idênticas com as dos verdes. E há alguns partidários que esperam que tais alianças possam dar um novo impulso ao Partido Socialista – até mesmo para a próxima eleição presidencial.
"A sorte está longe de ter sido lançada", disse Cautrès. "Estamos constantemente vivenciando surpresas nessa eleição. Não era previsto que François Fillon vencesse as primárias republicanas, nem que Hamon se tornasse o candidato socialista."
A recente controvérsia sobre Fillon, que teria empregado sua esposa por anos num cargo fictício na Assembleia Nacional, também pode alterar as circunstâncias da disputa. Uma vitória socialista nas eleições presidências, porém, ainda está bastante longe de ocorrer. De acordo com pesquisas recentes, Hamon receberia apenas 8% dos votos no primeiro turno.