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UPPs não fizeram diferença no cotidiano, diz pesquisa

Roberta Jansen do Rio
22 de agosto de 2017

Estudo aponta que mais da metade dos moradores das regiões onde Unidades de Polícia Pacificadora foram implementadas, no Rio de Janeiro, não viram grande impacto. Ao mesmo tempo, maioria apoia continuidade da iniciativa.

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Policial na UPP de Santa Marta, no Rio de Janeiro
Policial na UPP Santa Marta, no Morro Dona Marta, a primeira instalada no RioFoto: Getty Images/M. Tama

Há praticamente nove anos foi instalada a primeira Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), no Morro Dona Marta, em Botafogo, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Saudadas por muitos como um dos mais importantes programas de segurança pública já implementados no Brasil nas últimas décadas, as UPPs não parecem ter impressionado tanto as comunidades.

Uma pesquisa divulgada nesta terça-feira (22/08) pelo Centro de Estudos e Cidadania da Universidade Cândido Mendes revela que a maioria dos moradores das regiões onde o programa foi implantado disseram que a iniciativa "não fez diferença" em seu cotidiano.

Leia mais: Um ano depois da festa olímpica, Rio de Janeiro agoniza

"Para quem mora aqui não fez diferença mesmo", diz Sônia, de 52 anos, moradora da Rocinha. "A única diferença que houve é para quem está de fora; os traficantes passaram a circular apenas dentro da favela, ou seja, eles desocuparam a Estrada da Gávea, liberando o trânsito para o pessoal da Barra que estuda na Escola Americana, no Teresiano, deixando de serem vistos por quem passa por ali. Mas dentro da favela continuou exatamente a mesma coisa."

A pesquisa foi feita durante e logo após o término dos Jogos Olímpicos do Rio, há um ano, e divulgada no dia seguinte à realização de uma megaoperação reunindo mais de sete mil agentes, entre policiais civis e militares e homens das Forças Armadas, em oito comunidades da Zona Norte do Rio – uma resposta direta ao recrudescimento da violência nos últimos meses. 

Num primeiro momento, as UPPs pareceram funcionar, reduzindo o número de crimes e a sensação de insegurança e violência na cidade. Desde o fim de 2014 e o início de 2015, no entanto, o Rio voltou a sofrer com as guerras de diferentes facções do tráfico pelo controle de território dentro das comunidades e com o aumento dos crimes.

Com uma pausa estratégica para os Jogos Olímpicos, quando houve um patrulhamento ostensivo, a violência só se intensificou desde então. Surpreendentemente, não é essa a percepção dos moradores das comunidades.

Foram apontados três momentos aos entrevistados: "antes das UPPs", "no início da UPP" e "agora" (momento em que a pesquisa foi realizada). Questionados sobre em quais desses momentos aspectos positivos e negativos foram mais frequentes, os moradores responderam majoritariamente (de 55% a 68%, dependendo do quesito) que "não fez diferença".

No quesito "visita de amigos e parentes", por exemplo, foi o item em que menos se notou diferença: 68% dizem que continuou a mesma coisa, enquanto 24% acham que melhorou com a UPP, e 8% achavam que era melhor antes ou não souberam responder. No caso de "projetos sociais", 55% acham que não houve mudanças, embora 36% apontem melhorias e 9% achem que era melhor antes da UPP ou não souberam opinar.

Como maior benefício foi apontada a segurança e a tranquilidade, e como maior problema, tiroteios e confrontos. No quesito se sentir seguro, 44% disseram não haver diferença entre o período antes e depois da implementação das UPPs.

"As experiências são muito heterogêneas, elas variam muito de favela para favela, de acordo com a idade dos moradores, com a região da cidade onde estão as comunidades, são muitos fatores", pondera a cientista social Sílvia Ramos, uma das coordenadoras do levantamento.

"Mas o impacto certamente não foi tão grande quanto imaginávamos, no sentido de melhorar a vida das pessoas, promover mais segurança; neste ponto, não fez muita diferença. Foi só mais uma experiência, não um divisor de águas como foi vendido pela mídia", diz. Para a pesquisa, foram entrevistadas 2.479 pessoas com 16 anos ou mais de idade em 118 favelas.

Ruim com eles, pior sem eles

Ao mesmo tempo, os moradores reclamam muito do alto número de abordagens policiais com revista corporal, sobretudo de jovens negros do sexo masculino. Ao menos 38% dizem saber de situações em que os policiais da UPP xingaram ou humilharam moradores da comunidade – uma ação que vai de encontro à ideia de polícia de proximidade, que estava na raiz da UPP.

Além disso, a maioria dos moradores disse nunca ter tido contato cotidiano com a polícia, pedindo informação ou ajuda em caso de doença ou parto, por exemplo.

"Tínhamos idealizado um modelo que era de muita proximidade (entre policiais e moradores), que iria haver, de fato, uma experiência mais próxima", aponta Ramos. "No fim das contas, os únicos que tiveram uma experiência mais próxima com os policiais foram os jovens abordados pela polícia, que, na verdade, tiveram uma experiência ruim."

Apesar da avaliação ruim, a maioria (quase 60%) prefere que as UPPs continuem, ainda que com algumas modificações. E eles sabem muito bem apontar quais são: mais projetos para os jovens (85,3%), melhor treinamento dos policiais (82,1%), outros serviços além da polícia (82%). Em outras palavras, o que eles pedem é a retomada do projeto original das UPPs.

"Acho que existe um senso de que a segurança pública é um direito. Posso criticar, reclamar, mas é um direito como do resto da cidade: isso foi uma surpresa", constata Ramos.

"Porque é um pensamento bem mais complexo do que ‘é bom, fica; é ruim, sai'. É algo como 'é ruim, não produziu o que esperávamos, mas não queremos que vá embora'. Acho que essa é a maior lição desta pesquisa, demonstrar um sentimento compartilhado com o resto da cidade", conclui.