Varoufakis: "Tenho orgulho de Merkel"
30 de outubro de 2015Um das figuras mais polêmicas do panorama político europeu nos últimos anos, o ex-ministro das Finanças grego Yanis Varoufakis declarou, em entrevista à DW, que o primeiro-ministro Alexis Tsipras não vai conseguir implementar as reformas prometidas aos credores nas negociações sobre o terceiro programa de resgate.
"Tsipras não vai ter sucesso, e ele sabe disso. Eu renunciei porque não estava disposto a assinar um programa de reformas que era impossível de ser implementado. Eu me recusei a fazer parte dessa enganação", afirmou.
Varoufakis declarou que sua saída do governo foi um momento triste e que, depois disso, não teve oportunidade de conversar com seu amigo Tsipras. "Vamos encarar os fatos: há muito pouco para se falar se ele está comprometido com este programa que eu considero calamitoso", ponderou.
O ex-ministro grego também elogiou a posição da chanceler federal alemã, Angela Merkel, na atual questão dos refugiados. "Como europeu, estou extremamente orgulhoso da chanceler Merkel. Quando alguém bate à sua porta com fome, depois de ter sido alvo de tiros, de ter sido ferido, você tem uma obrigação moral de abrir a porta, seja qual for o custo, e acolher. Ao fazer isso, estamos reafirmando nosso humanismo europeu", disse.
DW: O senhor escreveu um livro chamado Time for Change [Hora de mudar], no qual tenta explicar economia para sua filha adolescente. Por quê?
Yanis Varoufakis: Vou ser bem franco com você: foi meu editor quem sugeriu, e me pareceu ser uma boa ideia. Se você não consegue explicar ideias complicadas para um adolescente de uma forma atraente e informativa, isso provavelmente significa que você mesmo não entende essas ideias muito bem. Por isso, foi um pouco como um teste para mim, ver se eu poderia fazê-lo e, no processo, dar uma oportunidade aos adultos para se esconderem atrás de uma narrativa infantil e serem informados sobre questões mais amplas e muito significativas.
Na Grécia, as coisas parecem estar ficando complicadas novamente. Os países da zona do euro não estão felizes com o ritmo das reformas gregas e ameaçam atrasar a transferência da ajuda financeira. Como o senhor explicaria à sua filha que, apesar de todas as cúpulas sobre a crise, a situação da Grécia não mudou tanto assim?
Oh, isso não é difícil. Todos nós podemos explicar isso aos nossos filhos e a nós mesmos. Se alguém foi à falência, e você quer fingir que não foi isso que aconteceu, então você empresta-lhe mais dinheiro para que ele possa usar os novos empréstimos para pagar os antigos. Se, além disso, você impuser condições que façam encolher a renda dessa pessoa, então mesmo uma criança de 8 anos sabe que isso não pode acabar bem.
O primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, prometeu implementar as reformas que foram acordadas no programa de resgate. O que o senhor espera para os próximos meses e anos?
Tsipras não vai ter sucesso, e ele sabe disso. Eu renunciei porque não estava disposto a assinar um programa de reformas que era impossível de ser implementado. Tsipras declarou claramente que foi forçado a aceitar esse programa embora não acreditasse que ele pudesse ser implementado. Temos, agora, essa situação ridícula em que os poderes constituídos da Europa – incluindo o Fundo Monetário Internacional, o Banco Central Europeu, os governos alemão e grego – fingem todos estar implementando um programa que eles sabem que não pode ser implementado. Eu me recusei a fazer parte dessa enganação, e é por isso que eu renunciei.
O senhor e Tsipras já compartilharam os mesmos pontos de vista. Mas, depois do referendo sobre o programa de resgate à Grécia, em julho, Tsipras deu uma guinada e aceitou as exigências dos credores, enquanto o senhor deixou o cargo. Como o senhor explicaria à sua filha a decepção que, com certeza, deve ter sentido?
Ela já saberia disso, porque essa renúncia dividiu bons amigos e camaradas. Não foi uma decisão fácil para mim, e não foi uma decisão fácil para Tsipras. Nunca é fácil aceitar uma rendição. Aquele foi um momento genuinamente triste. Mas eu não me arrependo do que fiz, porque eu não entrei na política para ser um político profissional, mas para fazer o que eu achava que era certo. Quando isso se tornou impossível, eu me retirei.
Como está hoje sua relação com Tsipras?
Alexis e eu nunca discutimos, nunca brigamos. Mesmo naquela noite, quando pedi demissão, foi tudo feito de forma fraterna. Nós concordamos em discordar. Nós temos nos visto em um par de ocasiões, mas não pudemos realmente conversar. Vamos encarar os fatos: há muito pouco para se falar quando ele está comprometido com este programa que eu considero calamitoso.
O senhor pode entender a decisão dele?
Eu posso entender a intensidade do momento em que ele teve que tomar essa decisão. Eu posso entender o quão difícil é ser o primeiro-ministro quando o sistema bancário é desligado por um banco central que está tentando te botar de joelhos. Eu posso entender a agonia de ter que tomar essas decisões porque os aposentados não têm mais acesso a suas contas bancárias. Então, eu entendo que isso foi uma escolha difícil, mas eu não concordo com ele.
Quanto tempo o senhor acha que o atual governo grego vai durar?
Isso realmente não importa. Nos últimos cinco anos, nós efetivamente tivemos três governos, e todos eles tentaram implementar um programa que é impossível de implementar. Agora que meus ex-colegas e camaradas estão seguindo a lógica ilógica dos últimos cinco anos, o resultado será o mesmo.
Quando o senhor olha para trás, para o tempo em que estava no poder, há alguma coisa que o senhor faria diferente?
Se eu respondesse "não", isso significaria que eu era um idiota fanático e uma pessoa muito perigosa. Claro que existem muitas coisas que eu teria feito de forma diferente. Mas a posição central era correta. Eu não assinaria um outro contrato de empréstimo no qual eu, em nome do povo grego, aceitaria outra grande quantidade de dinheiro dos contribuintes europeus antes que a dívida e a economia social gregas fossem reestruturadas a ponto nos tornar solventes de novo.
Algumas das conferências em que o senhor tem falado recentemente são realizadas sob slogans como "Uma outra Europa é possível". O senhor não conseguiu fazer as mudanças que desejava enquanto estava no poder. O que o faz pensar que elas possam ser alcançadas agora?
Tivemos uma oportunidade e não fizemos o melhor uso dela. Mas a Europa é muito maior do que nós – Tsipras, eu, os gregos. E a Europa tem que mudar. As atuais instituições na Europa e, particularmente, na zona do euro são insustentáveis. Criamos uma união monetária sem um governo, mas com um banco central que não tem um governo federal para apoiá-lo. E temos governos nacionais sem bancos centrais para apoiá-los. Esta é uma construção terrível.
O único fórum onde as decisões são tomadas a nível europeu é o Eurogrupo, que é um grupo informal que nem sequer é instituído por leis de tratados europeus. Portanto, há necessidade urgente de mudança substancial. E se nós não conduzirmos essa mudança de forma democrática e com diálogo, ela simplesmente vai acontecer por cima de nós e será uma mudança terrível, para pior.
Nós não temos um fórum onde podemos ter uma conversa sensata sobre esses assuntos. Então acabamos no autoritarismo e na tentativa de impor regras que foram ultrapassadas pela realidade. O resultado é uma Europa deflacionária, que é o homem doente da economia mundial, o que é ruim para os europeus e ruim para o mundo.
A Alemanha provavelmente não alcançará sua meta de um orçamento equilibrado por causa do aumento dos custos com os refugiados. Considerando a posição linha-dura da Alemanha nas negociações com a Grécia, o que o senhor acha da atual política alemã para refugiados?
Como europeu, estou extremamente orgulhoso da chanceler Merkel, por sua atitude de princípios na questão dos refugiados. Este é um exemplo de como são equivocadas as críticas à Alemanha, de que ela seria a fonte de problemas para a Europa, as quais predominam não só na Grécia, mas na França, na Itália e na Espanha.
Eu acredito que a postura da chanceler Merkel pode ser um prenúncio de coisas boas que estão por vir para a Europa. Quando alguém bate à sua porta com fome, depois de ter sido alvo de tiros, de ter sido ferido, você tem uma obrigação moral – e acredito que a chanceler Merkel entende isso – de abrir a porta, seja qual for o custo, e acolher. Ao fazer isso, estamos reafirmando nosso humanismo europeu.
O senhor tem viajado muito para dar palestras e fazer discursos em toda a Europa. O senhor consideraria concorrer a um cargo eletivo novamente algum dia?
Isso virá quando houver uma possibilidade de mudar alguma coisa a partir de um cargo eletivo. Nós construímos a Europa de tal modo que aqueles que ocupam cargos podem estar no governo, mas não estão no poder. Por isso precisamos de uma conversa para decidir o que nós, europeus, queremos fazer. Eu quero participar dessa conversa e energizá-la.