Darwin à luz da religião?
8 de março de 2009Mais de 30 cientistas, filósofos e teólogos se reuniram em Roma para uma "abordagem crítica" das ideias de Charles Darwin (1809-1882) sobre a origem das espécies – e, em última análise, da vida. Evolução biológica – Fatos e teorias: assim se chamou o congresso internacional promovido pelo Vaticano de 3 a 7 de março de 2009.
A Teoria da Evolução ainda é considerada por muitos uma indesculpável afronta à visão bíblica da Criação. Considerando-se que o revolucionário livro do inglês – ele mesmo formado em Teologia, antes de se dedicar à Ciência Natural – foi publicado em 1859, somente a realização de um congresso deste porte já bastaria para provar a vitalidade da visão do mundo segundo Darwin. Pois, sem dúvida, o cientista impõe respeito, mesmo 150 anos depois.
"Mais do que uma hipótese"
Antecipando o simpósio, o jornal do Vaticano, Osservatore Romano, advertira contra uma contraposição equivocada entre Darwin e a Igreja católica. "Ao contrário de diversas Igrejas protestantes", o Vaticano jamais o condenou, ressaltou o filósofo da ciência Gennaro Auletta. Na realidade, Darwin até haveria encontrado um decidido paladino de suas teorias no cardeal John Henry Newman, intelectual conceituado na Inglaterra e oito anos mais velho do que o pesquisador.
Além de lecionar Filosofia na Universidade Papal Gregoriana, palco do congresso, Auletta é vice-presidente do projeto interdisciplinar do Vaticano STOQ (Science, Theology and the Ontological Quest), criado ainda durante o pontificado de João Paulo 2º e financiado por uma fundação do empresário inglês John Templeton. O papa foi, aliás, bastante aberto para o diálogo com as ciências, havendo declarado em 1996 que a Teoria da Evolução era "mais do que uma hipótese".
Por outro lado, apoiado na inexistência de uma sentença oficial da Igreja contra Darwin – ao contrário, por exemplo, de Galileu Galilei (1564-1642), excomungado durante séculos – o presidente do Pontifício Conselho para a Cultura e patrono do encontro em Roma, Gianfranco Ravasi, rechaçara, em setembro de 2008, a sugestão de que o Vaticano se desculpasse postumamente diante do fundador da Biologia moderna.
Uma pedra no sapato do Vaticano
E, no entanto, não apenas os fundamentalistas evangélicos, mas também alguns católicos, têm graves dificuldades com a ótica darwiniana. Eles apontam lacunas em suas teorias, como, por exemplo, a suposta impossibilidade de a natureza ter-se desenvolvido até o atual grau de complexidade sem uma ajuda "de fora".
Como tentativa de responder a tais dúvidas, desenvolveu-se a corrente do Intelligent Design (DI – Design ou Projeto Inteligente), popular sobretudo nos Estados Unidos e baseada em ideias publicadas pelo teólogo inglês William Paley em 1802, ou seja, antes mesmo do nascimento de Darwin.
Seu raciocínio: se encontramos uma pedra informe no caminho, partimos do princípio que ela sempre esteve lá. Porém, ao depararmos com um relógio (infinitamente menos complexo do que um ser vivo), deduzimos que alguém o construiu. Para explicar o mundo como o conhecemos seria, portanto, indispensável admitir a interferência inteligente de um Criador, ou Designer.
Tolerância tem limite
A doutrina do DI continua sendo um tema sobre o qual o Vaticano se esquiva de tomar partido definido. Durante o congresso em Roma, o prefeito da Sagrada Congregação da Doutrina da Fé, cardeal William Levada, só se permitiu um comentário um tanto enigmático a respeito: "O Vaticano ouve e aprende".
Ele disse acreditar que há bastante espaço para uma crença tanto nos princípios da evolução quanto num criador divino. Em contrapartida, seriam "absurdas" as tentativas de ateus como o biólogo inglês Richard Dawkins de utilizar a teoria darwiniana como prova da não existência de Deus, pontificou Levada.
Na abertura da maratona teológico-científica, o arcebispo Ravasi citara o teólogo e médico luterano Albert Schweitzer, segundo o qual a cristandade recebera através de São Paulo a confiança de que "a fé não tem por que temer o pensamento".
Mas num outro momento do congresso foi justamente um adepto do criacionista muçulmano turco, Harun Yahya, a ter o microfone arrancado das mãos quando começava a questionar a Teoria da Evolução de maneira radical.
Não se pode afirmar que o evento em Roma transcorreu sob o signo da tolerância total. Mas, com sorte, cristãos e cientistas ainda terão alguns séculos para refletir mais sobre o tema.
Autor: Augusto Valente