Verdades e mentiras sobre laboratórios "secretos" na Ucrânia
4 de maio de 2022Kiev está desenvolvendo armas biológicas em laboratórios secretos a mando dos EUA? Esta é uma das alegações usadas como justificativa para o ataque russo à Ucrânia. No final de abril, Vladimir Putin falou em uma "rede de laboratórios biológicos ocidentais" como sendo uma das ameaças a serem combatidas por Moscou através da invasão. E o Ministério da Defesa russo afirma ter encontrado evidências na Ucrânia de que Kiev está pesquisando componentes para armas biológicas "com o envolvimento direto do Pentágono". Kiev e Washington rejeitam a acusação.
As armas biológicas foram proibidas em 1975 pela Convenção Internacional para a Proibição do Desenvolvimento, Produção e Armazenamento de Armas Bacteriológicas (Biológicas) (BWC, sigla em inglês). No entanto, a fronteira entre a pesquisa militar e civil é fluida, segundo especialistas consultados pela DW. Isso torna a fácil esse tipo de propaganda e difícil sua refutação. As alegações russas envolvem patógenos como peste, antraz ou difteria.
Para Richard Guthrie, especialista britânico em armas químicas e biológicas, tais alegações não são incomuns como propaganda de guerra. Ele afirma que acusações de armas biológicas são um fator importante enquanto "efeito psicológico". Essas armas, segundo ele, não se destinam principalmente a adoecer um grande número de pessoas. Acima de tudo, elas devem garantir que as pessoas saiam de certas áreas porque têm medo, por exemplo, de beber água ou comer certas coisas porque podem estar contaminadas.
Vários especialistas alemães em armas biológicas que analisaram as alegações russas para o Instituto de Pesquisa para a Paz e Política de Segurança de Hamburgo (ISFH), também alertam contra a incitação de tais temores entre a população. Eles avisam que esses casos são exemplos de "informação falsa".
"Existem laboratórios biológicos na Ucrânia que são apoiados por países como os EUA e também pela Alemanha", diz Gunnar Jeremias, que participou da análise do ISFH, acrescentando que o que esses laboratórios fazem não é segredo, mas algo "extremamente transparente".
Financiamento de Washington
"Estas são mentiras deliberadas ou deturpações deliberadas dos fatos", frisa John Gilbert, ex-inspetor dos EUA para armas de destruição em massa, que trabalhou na antiga União Soviética, incluindo a Ucrânia, e agora trabalha para a organização não governamental Centro para Controle e Não Proliferação de Armas, com sede em Washington.
Ele afirma que existe cooperação, mas no setor civil. Segundo Gilbert, o governo dos EUA tem trabalhado desde o início dos anos 1990 com laboratórios biológicos no espaço pós-soviético sob o "Programa Cooperativo de Redução de Ameaças", também conhecido como Lei Nunn-Lugar.
Ele explica que originalmente o projeto se destinava à eliminação de armas de destruição em massa herdadas da URSS. Um dos objetivos, conforme Gilbert, é pesquisar patógenos e a disseminação de doenças. "A Rússia está muito bem informada sobre essa cooperação", ressalta.
Segundo Guthrie, desde 2005, a cooperação entre Kiev e Washington foi regulamentada por um novo acordo. Ele informa que após os ataques de antraz nos EUA em 2001 e a primeira epidemia de Sars em 2003, Washington expandiu sua cooperação com biolaboratórios em vários países. Essa cooperação, é financiada pelo Departamento de Defesa americano.
Apoio da Alemanha
Diplomatas russos agora também acusam a Alemanha de administrar seu próprio "programa biológico-militar" na Ucrânia. Provavelmente a acusação se refere ao programa alemão de biossegurança fundado em 2013 pelo Ministério do Exterior alemão. O objetivo, segundo a pasta, é ajudar países da África, Ásia Central e Leste Europeu a "controlar riscos de segurança biológica", como, por exemplo, no caso de "abuso de patógenos biológicos" ou de pandemias.
Como parte do programa, o Instituto de Microbiologia da Bundeswehr, em Munique, coopera com o Instituto Veterinário de Kharkiv desde 2016. A informação foi fornecida por um porta-voz do Ministério da Defesa quando questionado pela DW. Estudos sobre a ocorrência dos patógenos que causam antraz, febre mediterrânea (brucelose), leptospirose e peste suína africana estariam sendo realizados pelo Instituto da Bundeswehr. Todas essas doenças animais também podem ser transmitidas a seres humanos.
Roman Wölfel, diretor do Instituto da Bundeswehr, afirma que as acusações russas contra a Ucrânia são falsas. O próprio Wölfel esteve na Ucrânia e conhece o laboratório em Kharkiv, onde cientistas pesquisam doenças de animais como vacas e porcos. "Treinamos jovens para usar métodos modernos de diagnóstico molecular", diz Wölfel. Ele explica que a participação de pesquisadores da Bundeswehr em um projeto civil é devido ao desenvolvimento de técnicas especiais que permitam uma reação rápida contra surtos de doenças.
Pesquisa sobre "armas étnicas"?
Uma acusação russa contra a Ucrânia é que Kiev está ajudando Washington a desenvolver as chamadas "armas étnicas". Em outras palavras, armas que podem ser usadas especificamente contra determinados grupos étnicos, como os russos. Essa acusação foi feita, entre outros, pelo comandante do sistema de defesa russo contra armas de destruição em massa, general Igor Kirillov.
Os especialistas têm certeza de que isso é impossível, pelo menos por enquanto. "Na verdade, as pessoas são muito mais parecidas do que geralmente se imagina, especialmente os grupos étnicos", diz Wölfel. "É completamente irreal desenvolver algo que afete um determinado grupo populacional e não outro", afirma, acrescentando que tais planos existiam na África do Sul durante o apartheid, mas nunca foram implementados. Segundo o especialista britânico Richard Guthrie, desde a década de 1970, há alegações envolvendo supostas armas étnicas, mas a humanidade está atualmente "muito longe" disso.
Convite a cientistas estrangeiros
Guthrie acredita que a Rússia está usando a questão dos laboratórios biológicos na Ucrânia como propaganda de guerra e "de forma bastante eficaz". Ele aponta que, embora a Rússia tenha levantado uma questão sobre isso perante o Conselho de Segurança da ONU, o país se absteve de fazer uma reclamação formal para pedir investigação sobre violação da Convenção de Armas Biológicas.
Não muito tempo atrás, a Rússia fez acusações semelhantes contra a Geórgia. O governo dos EUA financia o laboratório de pesquisa Lugar, em Tbilisi. Em 2018, o governo da Geórgia convidou especialistas internacionais para visitar o laboratório, incluindo especialistas da Rússia. Mas Moscou recusou o convite. Após a visita, um relatório afirmou que o laboratório estava em conformidade com a Convenção de Armas Biológicas. Especialistas recomendam que a Ucrânia também siga esse caminho. Mas durante a guerra isso pode ser algo difícil de implementar.