Viciados em remédios
18 de outubro de 2005O Departamento Central para Questões de Dependência (DHS) da Alemanha calcula que entre 1,4 milhão e 1,9 milhão de pessoas consomem compulsivamente drogas por receita médica. Este número supera de longe o dos viciados em canabis, cocaína, heroína ou outras substâncias ilegais. Porém, enquanto estas formas de narcodependência são discutidas com freqüência na mídia, há relativamente pouca discussão pública sobre o consumo de substâncias legais.
O grupo de medicamentos de que mais se abusa são as benzodiazepinas, tais como o valium. Elas são utilizadas com freqüência como tranqüilizantes e soníferos, sobretudo por mulheres. Para Bruno Müller-Oerlinghausen, da Comissão de Medicamentos da Associação Médica Alemã, isto pode-se atribuir às mudanças físicas que elas atravessam durante a menopausa. Além disso, as mulheres são mais propensas à depressão, enquanto recorrem menos ao álcool em situações difíceis do que os homens.
Karin Mohn, do DHS, ressalta que este fato contribuiu para ocultar o problema do abuso medicamentoso: "Infelizmente ele foi considerado durante muito tempo um problema feminino, e como tal negligenciado". Ela espera que novas medidas revertam a tendência. Estas incluiriam um aumento da consciência pública e o desenvolvimento de melhores métodos de diagnóstico precoce e intervenção.
Combate difícil
O psicólogo Johannes Lindenmeyer, especializado em narcodependência, não tem dúvida de que neste caso prevenir é melhor do que remediar. Ele acrescenta, porém, que tanto profissionais como pacientes têm que mudar sua maneira de pensar, para que o problema possa ser encarado com seriedade.
"As pessoas precisam de psicoterapia, em vez de medicação, mas os médicos não ganham muito para só conversar sobre problemas. E os pacientes geralmente preferem ir para casa com uma prescrição nas mãos", comenta.
Por isso, os profissionais medicam sem analisar as necessidades psicológicas, nem avaliar de que forma seus pacientes poderiam se beneficiar de uma terapia comportamental.
No caso da insônia, por exemplo, Lindenmeyer insiste que os afetados aprendam a se livrar do problema e não o reprimam por meios químicos. Até porque neste caso o alívio é apenas temporário.
"Ao contrário do álcool, as pessoas tomam drogas viciadoras por sofrerem de uma afecção. Elas se medicam e se sentem melhor. Porém, tão logo a sensação de bem-estar se desfaz, a queixa original retorna com maior intensidade."
Um insone que toma remédios para induzir o sono desenvolverá uma tolerância com o passar do tempo, tendo que elevar a dosagem para alcançar o mesmo efeito. E a dependência psicológica se desenvolve facilmente.
Falta de tratamento especializado
Com certos medicamentos, o caminho para a adição é incrivelmente curto, por vezes bastando apenas algumas semanas de uso regular. E uma vez que a dependência se instala, é muito mais penoso quebrar o círculo vicioso do que com o álcool, alerta Lindenmeyer: "É difícil admitir que se tem um problema de narcodependência quando a droga foi receitada por um doutor."
"Pelo mesmo motivo, não temos clínicas que se ocupem especificamente da dependência medicamentosa. Os afetados são colocados na mesma categoria com outros viciados e se sentem incompreendidos. Por isso, a taxa de sucesso dos programas para romper a adição a remédios é aproximadamente 10% inferior à dos esquemas antialcoolismo", comenta o psicólogo.
Mais controle sobre os médicos?
Se as estimativas de 1,4 milhão a 1,9 milhão de dependentes estão corretas, e se é tão difícil curá-los, uma vez que já estejam presos aos fármacos legais, não deveria haver controles mais rigorosos sobre o que os médicos podem prescrever? Para Müller-Oerlinghausen, a resposta é "não".
Ele acredita que o caminho para combater o consumo compulsivo é continuar treinando os médicos e informando o público sobre os perigos dos tranqüilizantes:
"Ao logo dos últimos 10 a 20 anos, os profissionais alemães aprenderam como empregar essas substâncias de forma restritiva, evitando o vício. Existem diretrizes claras, e o relatório anual sobre remédios prescritos prova que o número de tranqüilizantes distribuídos pelos médicos se reduz a cada ano", afirma o especialista da Comissão de Medicamentos.
Entretanto, segundo Mohn, do DHS, nos últimos anos não houve alteração significativa do número de pacientes com dependência medicamentosa, e o consumo de drogas legais continua sendo fonte de preocupação.
Alguns pacientes usam o truque de pedir várias receitas a médicos diferentes, e como a Alemanha tem leis rigorosas sobre a proteção de dados pessoais, é difícil detectar essa estratégia. Müller-Oerlinghausen conclui, resignado: "Simplesmente não é possível controlar os pacientes 100%".