Vinte e sete minutos com Ronaldinho
20 de abril de 2006Três meses de expectativa e uma boa dose de sorte, aliada ao charme gaúcho usado pela minha colega de redação Roselaine Wandscheer, no contato com a agência de Ronaldinho no Brasil, antecederam a entrevista com o craque brasileiro, em 11 de abril, em Barcelona.
Ele tem uma agenda bem mais cheia do que deixa supor o calendário de jogos do Campeonato Espanhol e da Liga dos Campeões. Poucas horas antes do embarque para Barcelona, fui informado que ele iria rodar um comercial no dia da entrevista. Além disso, o treino das 11h fora transferido para as 18h. A funcionária da agência espanhola que me ligou chegou mesmo a colocar o encontro em dúvida.
Durante o vôo, de Düsseldorf para Barcelona, leio a aventura de um jornalista da Der Spiegel – maior revista alemã –, que diz ter esperado uma semana, mesmo tendo marcado com antecedência um encontro com o craque brasileiro. E torço para não ter a mesma sina.
Ao desembarcar na capital da Catalunha, senti imediatamente que pisava em terras de Ronaldinho. Enquanto esperava minha bagagem, perguntei como chegar ao estádio Camp Nou. "Mas hoje [segunda-feira, 10/04] não tem jogo", respondeu-me, surpreso, um senhor de cabelos grisalhos. Expliquei-lhe que ficaria hospedado próximo do estádio, onde me encontraria como o ídolo do Barcelona.
"O povo gosta muito dele"
"Ronaldinho? Ah, o povo aqui gosta muito dele. É muito benquisto pelas crianças. Dizem que tem muito bom caráter e ainda tem os pés no chão. Antes dele tinha o Ronaldo, que parece ter perdido a cabeça com tanto dinheiro", disse ainda, antes de se despedir e me desejar boa sorte.
Aproveitei a manhã seguinte para uma visita ao Camp Nou, junto com a equipe da DW-TV, que filmaria a entrevista. O que vimos foi uma verdadeira invasão de turistas no local. Quatro a cinco mil pessoas passam pelo estádio do Barcelona diariamente. E todos sonham em ver Ronaldinho.
Pelo menos como recorte em madeira ele está sempre no gramado, ao lado do atacante camaronês Eto'o, para a foto obrigatória dos fãs, nos dias em que não há jogo. "Ronaldinho é um grande jogador", diz a austríaca Tereza, acrescentando que nem é aficcionada por futebol.
O roteiro de visita ao Camp Nou passa ainda pelo museu do clube, a sala de imprensa e o vestiário do time visitante. No meio do rio de gente, há um grupo de alunos de uma escola de Paris Saint Germain, que veio matar as saudades do ex-jogador do clube francês.
Mais tarde, num giro pelo centro da cidade, noto que também os catalães sentirão saudades de Ronaldinho, se ele um dia for embora. Seu retrato ainda não está pintado nas fachadas do prédios – como os italianos fizeram com Maradona –, mas seu nome é visível por toda parte.
Nome do craque é chamariz
A camisa Ronaldinho 10 é o principal chamariz das lojas de suvenir. O jogador também inspira os artistas que vendem seus quadros ou fazem performances nas ruas centrais. Até tortas de chocolate decoradas com Ronaldinho encontram-se à venda.
Mas, antes de mais nada, os catalães gravam o nome de Ronaldinho no coração. "Ele é mais admirado do que Ronaldo porque devolveu ao público a alegria e a magia do futebol. Antes, mesmo que o Barcelona ganhasse, os torcedores não saíam contentes do estádio", conta o porteiro do Hotel Alguer, Jordi Boneta, cujo irmão emigrou para o Brasil há um ano e mora em Cáceres (MT).
Às 17 horas, volto ao estádio. A equipe da DW-TV improvisa um estúdio no vestiário, por onde ainda circulam os últimos turistas do dia. "Aqui só tem chuveiro frio", brinca o guia do clube, que acompanha um grupo de torcedores do Benfica de Lisboa, eliminado pelo Barcelona da Liga dos Campeões.
No treinamento das 18h, num gramado ao lado do Camp Nou, Ronaldinho não aparece. Mas o assessor de imprensa garante que ele já se encontra nos bastidores do estádio e confirma a entrevista.
"Então é barriga verde!"
Duas horas e meia depois, o "rei" chega, com cabelos ainda molhados do banho, camiseta amarela com emblema do Barcelona no peito, calção preto e chinelo de dedo. "Olá, que tal", nos cumprimenta em espanhol. Respondo com um "boa noite" e ele abre um sorriso. "Fala português? Que maravilha!", diz aliviado. E se dirige ao banco em que ficará sentado na próxima meia hora. "Podemos começar", diz, com a rotina de quem está diante das câmeras quase todos os dias.
Enquanto os microfones são grudados em nossas camisas, ele me pergunta de onde sou. "De Antônio Carlos, perto de Florianópolis". E ele: "Então é barriga verde! Conheço todas as praias da Ilha. Joguei bola em Jurerê". Eu também, só que numa outra época e noutra categoria, penso num segundo.
Segue-se a entrevista. Ele diz que "2006 será a Copa do Brasil", defende Ronaldo, diz que a bola é sua namorada e pronuncia uma frase que qualquer pessoa gostaria dizer: "Estou vivendo tudo o que eu sempre sonhei". No final, ainda distribui alguns autógrafos. Daí, o tempo está esgotado. "Não quero ser chato, compadre, mas estou em cima da hora", diz apontando para o relógio.
Samba fica para a próxima
São 21h, quando o maior astro do futebol mundial da atualidade some novamente nos subterrâneos do Camp Nou, deixando para trás 27 minutos de uma entrevista inesquecível. Não só pelo que falou. Sobretudo, pela modéstia e naturalidade com que o fez. Os torcedores do Barcelona têm razão. Ele é um bom caráter e continua com os pés no chão.
Só uma resposta – que deveria ser para a DW-TV – ficou incompleta. Perguntei se ele poderia cantar uma música que a torcida alemã ainda pudesse decorar até a Copa. Talvez, alguns versos de seu pagode preferido, o Folha Seca. "Não, não ... Sou muito tímido para essas coisas. Ainda mais que vocês me pegaram de surpresa. Mas da próxima vez que vocês vierem, eu canto um samba pra vocês".