Em boa hora
22 de agosto de 2011O porta-voz dos insurgentes líbios, Mohammed Sawiwa, informou nesta segunda-feira (22/08) que sua facção conseguiu tomar a central da TV estatal na capital Trípoli. Em reação, todas as emissoras do governo suspenderam as transmissões. Quanto ao ditador Muammar Kadafi, o presidente do Conselho Nacional de Transição, Mustafa Abdel Jalil, afirmou que seu paradeiro é desconhecido.
Por sua vez, a secretaria de Defesa dos Estados Unidos disse que o líder ainda se encontra na Líbia, não havendo indícios de que tenha abandonado o país. Antes, um diplomata residente em Trípoli declarara à agência de notícias AFP que Kadafi estaria escondido em sua residência na capital, Bab el Asisiya, em grande parte, em ruínas.
Na hora certa
A batalha na Líbia ainda não terminou, mas o avanço das tropas insurgentes sobre Trípoli é uma etapa importante para os oposicionistas, em sua luta contra o regime Kadafi. Assim como para a Organização do Tratado do Atlântico Norte, pois a recente reviravolta nas lutas entre os rebeldes e as tropas do ditador são um golpe de sorte para a aliança militar internacional.
Desde o início da missão Unified Protection, em 31 de março último, ela comandara cerca de 7.500 operações contra soldados e bases do ditador, e começava a ter dificuldades de sustentar sua posição no conflito, à medida que iam escasseando tanto os alvos quanto os recursos militares.
Caso houvesse pouco avanço ou uma derrota dos rebeldes, na Assembleia Geral das Nações Unidas em setembro próximo, a Otan certamente estaria numa situação difícil para justificar seu apoio aos insurgentes. A missão iniciada cinco meses atrás precisaria ter sua segunda prorrogação aprovada por todos os parceiros da aliança – uma meta bastante improvável, na ausência de perspectivas de vitória sobre as forças de Kadafi.
Mudança de tática
Agora, os embates no centro de Trípoli não deixam dúvida de que os 42 anos de regime ditatorial estejam próximos a terminar. As imprevistas vitórias dos rebeldes líbios, seu avanço-relâmpago sobre a capital, a perda de apoio para Kadafi: todas estas são excelentes notícias para a Aliança Atlântica, até então sob a ameaça de um fragoroso fiasco.
Nos últimos dias, as tropas de Kadafi foram forçadas a uma mudança de tática. Durante semanas, elas haviam, em princípio, evitado o emprego de tanques de guerra, preferindo transportar suas tropas e armas com pequenos caminhões, difíceis de atingir com bombas aéreas.
Somente em meados de agosto as forças do governo voltaram a usar equipamento pesado, oferecendo novos alvos à Otan. Deste modo, segundo informou a organização internacional, foram destruídos apenas no domingo 46 instalações e veículos militares, permitindo o avanço por terra dos rebeldes.
Trunfo para a Otan
A maior parte dos louros de uma eventual vitória caberá à França. Em contrapartida, fica ainda mais debilitada a posição da Alemanha, a qual se absteve de sequer votar a intervenção internacional no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
"A Otan contribuiu de forma importante para o êxito do levante", antecipou Henning Riecke, perito em segurança da Sociedade Alemã de Política Externa (DGAP), à agência de notícias DAPD. Não como partido guerreiro, mas sim através do "assessoramento direcionado" aos rebeldes.
De acordo com Riecke, é "uma enorme façanha" a Otan ter alcançado em março tão rápido consenso para uma missão tão ampla, apesar das desavenças iniciais e da abstenção alemã. "Deste modo, a aliança mostrou sua capacidade de ação", elogia o especialista da DGAP. Isto significa um novo trunfo para combater os céticos quanto à razão de ser da Otan, e um motivo de orgulho para seu secretário-geral, Anders Fogh Rasmussen.
Más cartas com futuro governo
Assim como para o presidente francês, Nicolas Sarkozy. Foi ele quem, em 19 de março de 2011, deu a primeira ordem para os bombardeios aéreos contra as tropas de Kadafi na cidadela dos rebeldes Benghazi – quase isolado, e contando apenas com o aval dos britânicos e norte-americanos. "Sarkozy foi o primeiro a perceber quão dramática era a situação", lembra Riecke.
Por outro lado, "a Alemanha agiu com cuidado excessivo, visando demais as perspectivas de sucesso". É fato que o país enviou pessoal militar para o comando das operações, a partir do quartel-general da Otan na Itália, contudo sem participar diretamente das operações. Uma "dança sobre ovos", que certamente não favorecerá o peso do voto alemão dentro da Aliança Atlântica.
O excesso de cautela da chanceler federal Angela Merkel e do ministro do Exterior Guido Westerwelle também deve reduzir as chances da participação alemã na Líbia pós-Kadafi. O país esteve entre os últimos membros da União Europeia a reconhecer o Conselho Nacional de Transição como representante legítimo da população.
Assim, também não se deve descartar que o governo da nova Líbia prefira se dirigir primeiro a Sarkozy, quando o assunto for a construção da democracia e sociedade civil no país – ou novos acordos sobre o petróleo.
Economia e democracia
No momento, todos começam a olhar para o futuro da Líbia. Mas ainda é impossível dizer claramente o que se vê. No que concerne os interesses econômicos internacionais, Annegret Bendiek, do Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP), lembra não tratar-se apenas de um país rico, mas também extremamente complicado.
Seu conselho aos políticos do Ocidente é "levar a sério a autodeterminação líbia", disse à agência de notícias DPA. Não se trata de "interferir e determinar" a futura dinâmica, mas, "no máximo de acompanhá-la". A especialista nas relações exteriores da UE acredita que a tarefa primeira dos europeus é estabelecer relações comerciais com a Líbia sem pré-condições.
Uma vez que reformas simultâneas no nível econômico e democrático "sempre são difíceis", ela aconselha a tratar primeiro da economia, pois bem-estar econômico "leva as pessoas a exigirem participação no processo político", aponta. Além disso: "A lição do passado deve ser que não se pode decretar democracia de fora para dentro".
AV/dapd/dpa/afp
Revisão: Carlos Albuquerque