Vladimir Ashkenazy: close-up do mito
6 de julho de 2012Como é estar na presença de um mito vivo? Segundo reza o estereótipo, é de se esperar um ar de distanciamento, uma certa pompa. Uma pitada de arrogância não faz mal, talvez seja até mesmo bem-vinda. Pois grandes personalidades são "especiais" o tempo todo; elas pairam acima da humanidade, constantemente lembrando a nós, mortais, quão pouco temos em comum com elas. Ou não?
Um encontro com Vladimir Ashkenazy prova que não é necessariamente assim. Sua naturalidade e modéstia, um frescor constante e agilidade quase moleque – aos 75 anos de idade – colocam o interlocutor imediatamente à vontade. Uma olhada nas mãos pequenas, de dedos curtos e grossos, faz quase esquecer que este homem é citado entre os maiores intérpretes de música erudita nos séculos 20 e 21.
Novos países, nova carreira
Vladimir Davidovitch nasceu em 6 de julho de 1937 na antiga União Soviética. Seu pai, David Ashkenazi, era um pianista e compositor judeu. O talento extraordinário do garoto para o piano começou a se revelar aos 6 anos, e aos 18 ele conquistou o segundo prêmio do Concurso Internacional Chopin de Varsóvia.
Apesar das perspectivas profissionais brilhantes, ele não conseguia se adaptar à vida sob o regime stalinista. "O sistema comunista é construído de tal modo que o Partido Comunista – que é o governo – controla a vida física, intelectual e espiritual de cada pessoa", comenta em seu inglês rápido e staccato. "Foi o caso na União Soviética e no Leste Europeu e, claro, na China, mais tarde. E na Coreia do Norte, agora – este é o caso mais extremo, eu diria."
Ashkenazy finalmente conseguiu deixar a URSS em 1963, com esposa – a islandesa Thórunn – e filhos, indo de início para Londres. Cinco anos mais tarde, mudaram-se para a Islândia, onde o pianista se naturalizou. Em 1978, a família se estabeleceu na Suíça.
Começa então uma nova fase na carreira do músico, no Ocidente. Além de explorar plenamente o repertório solista, de Bach ao século 20, Ashkenazy participa de numerosas formações camerísticas e se apresenta ao lado das mais importantes orquestras da época. Desde sempre, a música russa permanece como foco de suas atividades.
Em 1976 Vladimir Ashkenazy lança mais uma fase de sua diversificada trajetória musical, passando a atuar também como regente. Em parte, pelo desafio, mas sobretudo "porque há muita música boa escrita para a orquestra. Só por isso", comenta.
Magia da economia
Economia, clareza, objetividade são características que vêm à mente ao se assistir a um ensaio de Ashkenazy com a Deutsches Symphonie-Orchester Berlin (DSO), durante a turnê pela América do Sul, realizada em maio de 2012. A viagem veio coroar uma relação de longa data, pois Ahskenazy foi maestro titular da DSO de 1989 a 1999 – entre Riccardo Chailly e Kent Nagano.
As interrupções e comentários feitos pelo regente são breves e amáveis. Visam, no fim das contas, garantir a fidelidade ao texto musical. Assim, no primeiro movimento da Sinfonia Pastoral, Ashkenazy livra o tema de crescendos-diminuendos inapropriadamente românticos. E se assegura que as notas em staccato do fagote soem ainda mais curtas na acústica mais para seca do Teatro Municipal de São Paulo. Da mesma forma, perto do fim do movimento, ele consistentemente extirpa qualquer rallentando que possa arrastar o discurso musical.
Esse estilo de regência desperta sentimentos e opiniões muito controversos entre os músicos: para alguns ele é excessivamente impessoal. Mas uma coisa é inegável: na hora do concerto propriamente dito, tudo parece entrar miraculosamente nos eixos.
Um dos músicos de sopros da orquestra arrisca uma teoria: o fato de Ashkenazy deixar os instrumentistas mais ou menos "sós" os põem num saudável estado de tensão, forçando-os a escutar o todo, a participar – em vez de relaxar, esperar pela entrada e simplesmente tocar a própria parte de forma rotineira. Talvez seja isso que produza essa magia no palco, sugere o jovem músico da DSO.
Espírito de palhaço e o poder da música
Outra característica do músico natural de Gorky que salta aos olhos é seu irresistível senso de humor. Uma hora ele pode estar segurando a batuta entre os dentes, "como um osso"; ou utilizando-a para uma discreta coçada das costas, à la Chaplin. Ou ainda espiando a plateia com cara travessa, antes do concerto, até alguém apelar: "Maestro, por favor..." Mas trata-se de algo mais forte do que ele: Ashkenazy é um mito com espírito de palhaço!
Apesar disso, a música permanece sendo um assunto seriíssimo para o septuagenário. Sua crítica das sinfonias de Gustav Mahler é declaradamente pessoal: "Ele está sempre centrado em si mesmo", reclama, ao contrário de Robert Schumann, "que esteve doente quase toda a vida, e no entanto a música dele é tão generosa!".
Um músico que, acima de tudo, acredita no poder da música: em conversas, como no pódio, Ashkenazy rejeita sistematicamente qualquer tentativa de colocar "suas" intenções musicais acima das dos compositores – da mesma forma que se distancia de qualquer tentativa de idolatria ou lisonja.
"Minha meta básica é fazer meu trabalho o melhor que eu possa", afirma. E, pressionado, declara de forma sumária seu credo artístico: "Eu não preciso enfatizar nada. A música faz isso para mim".
Autor: Augusto Valente
Revisão: Alexandre Schossler