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Werner Herzog leva impasse ambiental às telas

Bernd Sobolla av
12 de dezembro de 2016

O excêntrico e cultuado cineasta alemão confirma sua fascinação pelas situações extremas e pela beleza visual no thriller ecológico "Salt and fire", filmado no deserto de sal da Bolívia.

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Atores Michael Shannon (esq.) e Veronica Ferres em locação no deserto de Uyuni, Bolívia
Atores Michael Shannon (esq.) e Veronica Ferres em locação no deserto de Uyuni, BolíviaFoto: Camino Filmverleih

Salt and fire começa quase como um filme de ação. Acompanhada de dois assistentes, a cientista das Nações Unidas Laura Sommerfeld (Veronica Ferres) está encarregada de investigar uma catástrofe ambiental em Diablo Blanco, Bolívia. Mas logo após a chegada ao aeroporto o grupo é sequestrado, inicialmente não se sabe por que – nem por quem.

Sommerfeld e seus colaboradores (Gael García Bernal e Volker Michalowski) são levados a uma fazenda isolada, cercados por homens de máscaras negras armados de metralhadora. Tudo aponta na direção de chantagem e exigências de resgate, até que o líder da operação mostra o rosto: é Matt Riley (Michael Shannon), presidente do consórcio responsável pelo desastre ambiental.

Entre ele e Sommerfeld se desenrola um jogo verbal de gato e rato. Enquanto ela tenta descobrir por que foi sequestrada, Riley se revela um filósofo melancólico, cita Nostradamus e o Eclesiastes, fala de transformação e de mudança de perspectiva: "Não existe realidade, apenas suposições, pontos de vista e medos coletivos, que se aglutinam em teorias de conspiração", postula.

Ambos ganham mais intimidade. Mas aí Riley e os demais sequestradores levam Sommerfeld de carro até uma elevação em meio ao gigantesco deserto de sal, deixando-a lá, sozinha com dois meninos cegos.

Arcaísmo e amor pela beleza

Em quase todos os filmes de Werner Herzog, há uma espécie de volta a condições arcaicas, gente que luta pela sobrevivência, perseguindo os próprios planos de forma muitas vezes inescrupulosa, como em Fitzcarraldo. Sua motivação pode ser o desejo de impulsionar a civilização ou de rechaçá-la (Cobra Verde), ou de descobrir mundos desconhecidos (Além do azul selvagem).

Film "Salt and Fire": Der Vulkan, auf dem wir (noch) leben
Trio de pesquisadores da ONU (Volker Michalowski, Veronica Ferres, Gael Garcia Bernal) chega à América do SulFoto: Camino Filmverleih

Também em documentários, Herzog tem explorado os lados menos familiares dos seres humanos: na minissérie para TV On death row, ele enfocou os destinos de assassinos condenados à morte; em Grizzly Man, retratou o ativista dos direitos dos animais Timothy Treadwell, que lutava pela preservação dos ursos.

Definir Werner Herzog, a partir daí, como um cineasta que só se sente bem no limiar entre a morte e a vida, pode não ser totalmente errado, mas também é excessivamente reducionista. Em todas as suas produções também se reconhece uma veia poética: ele ama a beleza, seja na natureza ou na arte, e se esforça para mostrá-la em seus trabalhos.

Isso se aplica, por exemplo, aos apaixonantes documentários O diamante branco, sobre uma expedição na floresta tropical da Guiana, e A caverna dos sonhos esquecidos, em torno das pinturas rupestres pré-históricas da caverna Chauvet-Pont d'Arc, no sul da França.

Do Cazaquistão para a Bolívia

Em Salt and fire, esse amor pelo belo se expressa, por um lado, nos comentários filosóficos de Riley, por outro, em grandes momentos visuais. Herzog leva seus protagonistas a um trecho de ferrovia abandonado com velhos trens enferrujados, em meio ao deserto – uma genial metáfora para uma humanidade perante um beco sem saída civilizatório.

Matt Riley (dir) instrui Laura Sommerfeld sobre sua filosofia de vida e de mundo, antes de largá-la no deserto boliviano
Matt Riley (dir) instrui Laura Sommerfeld sobre sua filosofia de vida e de mundo, antes de largá-la no deserto bolivianoFoto: Camino Filmverleih

A jornada através do cintilante deserto de sal de Uyuni, na Bolívia, evoca descoberta de uma paisagem num planeta estranho. E quando Sommerfeld se deita no chão, junto com os dois meninos de nomes incas, para escutar o vulcão que crepita sob a superfície de sal, sente-se o apocalipse bem próximo.

O filme se baseia na história Aral, do jornalista americano Tom Bissell. O Mar de Aral, no Cazaquistão, era a quarta maior extensão de água cercada de terra do mundo, até os soviéticos decidirem plantar algodão lá, transformando-o no atual deserto de sal. "Frotas de pesca inteiras jazem na areia, enferrujando", conta o cineasta alemão. A ideia era rodar Salt and fire  nessa locação original, mas os problemas logísticos foram grandes demais.

Assim, Laura Sommerfeld tem que redigir seu relatório para a ONU sobre um mar de sal boliviano. A atriz desempenha a função de modo eficiente, porém não mais, e soa ridícula a afirmação de Herzog de que Ferres seria "a única estrela que temos na Alemanha", mas dá para perdoá-lo: talvez ele esteja simplesmente apaixonado demais.

Werner Herzog não sabe escrever grandes diálogos, a concisão dramatúrgica de seus roteiros nem sempre é perfeita, o que também se aplica a sua direção de atores. No entanto suas produções emanam tanta entrega e força narrativa, ainda por cima coroadas de grandes momentos visuais, que quase sempre vale a pena assisti-las. E esse é o caso de Salt and fire, apresentado em diversos festivais internacionais, mas ainda sem data de estreia no Brasil.