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Xi em Moscou, Kishida em Kiev: jogo de alianças em guerra

21 de março de 2023

Líder chinês busca aproximação com o Kremlin como contrapeso às potências ocidentais. Premiê japonês faz sua visita à Ucrânia coincidir demonstrativamente com a de Xi à Rússia, e promete mais apoio a Zelenski.

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Xi e Putin
Passagem XI (E) na Rússia é vista como um grande impulso para PutinFoto: SERGEI KARPUKHIN/AFP

O segundo dia da visita oficial de Xi Jinping a Moscou encerrou-se com uma declaração conjunta do do presidente chinês e seu homólogo russo, Vladimir Putin, assegurando que a parceria entre seus países não representa uma "aliança militar-política".

"As partes fazem notar que as relações entre a Rússia e China, embora não constituindo uma aliança militar-política semelhante àquelas estabelecidas durante a Guerra Fria, são superiores a esse tipo de cooperação interestatal", declararam nesta terça-feira (21/03).

Além disso, essas relações "não constituem um bloco, não têm natureza confrontativa e não são dirigidas contra terceiros países", consta do documento emitido após o encontro de cúpula entre Xi e Putin.

Antes,o mandatário chinês confirmou que seu país vai priorizar os laços com a Rússia, e confirmou um convite feito ao líder para visitar seu país ainda em 2023. Xi busca uma aproximação com Moscou no intuito de forjar uma aliança visando se contrapor às potências ocidentais, em meio a um acirramento das tensões entre Pequim e Washington.

A passagem do líder chinês na Rússia é vista como um grande impulso para Putin, em meio a uma série de pesadas sanções impostas pelo Ocidente e pouco depois de ser alvo de um mandado de prisão emitido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) pela deportação ilegal de crianças ucranianas para a Rússia.

A China defendeu Putin das acusações do TPI, dizendo que a corte deveria evitar o que chamou de "politização e duplicidade de critérios" e respeitar o princípio da imunidade para os chefes de Estado.

Japão expressa solidariedade à Ucrânia

Numa visita surpresa, coincidindo marcadamente com a estada de Xi em Moscou, também nesta terça-feira, o primeiro-ministro japonês, Fumio Kishida, esteve em Kiev para comunicar uma mensagem de solidariedade e apoio à Ucrânia.

Kishida deveria ter regressado na segunda-feira a Tóquio, depois de se reunir com seu homólogo Narendra Modi na Índia. No entanto, alterou a rota, dirigindo-se para Polônia e, de lá, pegando um trem para Kiev. 

O premiê era o único líder do G7 que ainda não tinha viajado à Ucrânia, depois das visitas dos líderes dos Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Alemanha, Itália e França. O Japão preside atualmente o grupo que reúne os sete países mais industrializados do mundo, e em sua terra natal o premiê estava sob pressão para finalmente viajar a Kiev.

A Ucrânia saudou a "visita histórica" como um "sinal de solidariedade" de Tóquio, após mais de um ano de guerra. Por sua vez, a China declarou esperar que a viagem de Kishida sirva para "arrefecer a situação" e não o contrário.

Kishida é o primeiro líder japonês do pós-guerra a entrar numa zona de conflito. Em janeiro, ele declarou no Parlamento em Tóquio que visitaria a Ucrânia "se as condições fossem adequadas". De acordo com a imprensa japonesa, a viagem não podia ser programada com grande antecedência ou tornada pública, devido a preocupações de segurança.

Visita a Bucha

De acordo com o Ministério das Relações Exteriores do Japão, o objetivo da viagem de Kishida é homenagear coragem e a resiliência do povo ucraniano, e demonstrar solidariedade à Ucrânia e apoio inabalável ao país, como líder do G-7 e como chefe do governo japonês.

"Rejeitaremos firmemente qualquer mudança unilateral do status quo através de agressão e força por parte da Rússia. Reafirmaremos a nossa determinação em manter a ordem internacional baseada no Estado de direito", afirmou o órgão.

Kishida com uma coroa de flores em frente a uma igreja
Em Bucha, Kishida prestou homenagens aos mortos na guerraFoto: Iori Sagisawa/AP/picture alliance

Antes de se reunir com o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, Kishida visitou a cidade de Bucha, nas imediações de Kiev, para ver os efeitos da ocupação russa, informou pelo Twitter a vice-ministra de Relações Exteriores ucraniana, Emine Dzheppar: "Juntamente com o primeiro-ministro do Japão, visitamos Bucha, que sobreviveu à ocupação no ano passado."

Dzheppar, que participou da visita a Bucha, também agradeceu Kishida por doar geradores que ajudaram os ucranianos a passarem o inverno em meio aos bombardeios periódicos russos contra a rede elétrica ucraniana.

"Com parceiros como o Japão, vamos reconstruir o nosso país", comentou a vice-ministra, que publicou várias fotos de Kishida homenageando as vítimas dos crimes de guerra cometidos pela Rússia em Bucha, ocupada nos primeiros dias da guerra e libertada pela Ucrânia em abril de 2022.

Apoio japonês às sanções contra Moscou

Em sintonia com os Estados Unidos e as nações europeias, o governo de Kishida aprovou uma série de sanções contra a Rússia, incluindo o congelamento dos bens de altos funcionários governamentais, como o primeiro-ministro russo, Mikhail Mishustin. O país também fornece assistência humanitária e econômica à Ucrânia, mas a Constituição pacifista do Japão não permite que ele forneça armas.

O país reagiu rapidamente após a invasão da Ucrânia pela Rússia, temendo o potencial impacto de uma guerra no leste da Ásia. Tóquio está apreensivo com os laços estreitos entre Pequim e Moscou, que têm conduzido manobras conjuntas perto da costa do Japão.

Após a visita à Ucrânia, Kishida regressará à Polônia na quarta-feira, para uma visita oficial. Juntamente ao governo de Varsóvia, ele vai coordenar esforços para prestar ajuda humanitária à Ucrânia, relatou o Ministério do Exterior japonês.

Kishida dá a mão para Zelenski
Kishida foi o último dos líderes do G7 a visitar a UcrâniaFoto: Alina Yarysh/REUTERS

Gás e comércio unem Rússia e China

Nesta terça-feira em Moscou, Putin avaliou as conversas com Xi como "construtivas e bem sucedidas", e "francas e significativas", propondo "ampliarmos nossa coordenação e colaboração". Ele se disse convencido de que "nossa cooperação multinível, mutuamente benéfica, será fortalecida ainda mais". 

Desde o início da invasão russa na Ucrânia, o comércio entre a China e a Rússia se intensificou, o que resultou na maior aproximação entre as duas potências vizinhas e aumentou as preocupações no Ocidente quanto a até onde esse estreitamento pode chegar.

Antes do início das conversas entre os dois líderes, a empresa estatal russa de energia Gazprom havia informado que na segunda-feira o envio de gás natural através do gasoduto Poder da Sibéria atingira nível recorde, e que a demanda chinesa de fornecimento de gás "excedeu significativamente as obrigações contratuais diárias".

Putin comentou que conversou com Xi sobre um novo gasoduto, o Poder da Sibéria 2, que deve reforçar o abastecimento de gás natural russo para a China. Segundo o russo, as empresas russas têm capacidade para suprir a "crescente demanda" de energia do país vizinho.

O chefe do Kremlin acrescentou que seu país está pronto a ajudar empresas chinesas dispostas a substituírem as ocidentais que deixaram a Rússia por causa da guerra na Ucrânia.

Proposta chinesa para crise na Ucrânia

Xi disse que o governo chinês "continuará a priorizar a parceria estratégica" com Moscou. "Somos grandes potências vizinhas", afirmou em reunião com o primeiro-ministro russo. Mikhail Mishustin, citado por agências de notícias russas.

Moscou elogiou uma proposta de 12 pontos apresentada pela China, que inclui um pedido pelo diálogo entre as partes envolvidas no conflito e o respeito à soberania territorial de todos os países. O presidente Zelenski já se disse aberto para conversar também com Xi Jinping, mas até o momento não há indicações de isso esteja nos planos de Pequim.

Os EUA, porém, avaliam que as propostas chinesas simplesmente consolidariam a tomada de território ucraniano pela Rússia e permitiriam ao Kremlin preparar uma nova ofensiva.

A China tenta manter uma aparente neutralidade em relação à guerra, embora Washington suspeite que as ações chinesas seriam uma estratégia para ajudar Moscou a ganhar tempo.

Desconfiança dos EUA

Ao fim do encontro, os dois líderes assinaram dois acordos para ampliar a parceria estratégica até 2030. Xi elogiou o que chamou de "conversas construtivas" com Putin, ao se referir à expansão do comércio e da cooperação econômica, com um aumento das exportações de produtos eletrônicos chineses para a Rússia.

Putin frisou que, além do fornecimento de gás para a China, os dois países planejam aumentar as conexões e os transportes através de pontes e estradas.

Para o secretário de Estado americano, Antony Blinken, a visita de Xi a Moscou sugere que a China "não se sente responsável por atribuir culpa ao presidente russo pelas atrocidades cometidas na Ucrânia". 

"Ao invés de condenar, eles preferem fornecer um acobertamento diplomático para que a Rússia continue a cometer esses enormes crimes", acrescentou. Os EUA acusam a China de estar considerando exportar armamentos para a Rússia, o que Pequim nega.

rc/le/av (AFP, Reuters, ots)