Zeitgeist: O lado econômico da independência da Catalunha
12 de outubro de 2017Além da questão legal, uma possível separação da Catalunha da Espanha envolveria aspectos práticos que dão uma ideia melhor de como essa empreitada é arriscada e pouco realista.
Bem longe de depender apenas de uma declaração, a independência é um caminho longo e difícil. Para se concretizar, ela precisa do reconhecimento internacional, da criação de um aparato estatal (incluindo forças armadas e embaixadas) e eventualmente de uma moeda própria, a não ser que a Catalunha queira usar uma moeda estrangeira (o euro, por exemplo) sem ter voz nas decisões sobre a política monetária.
Zeitgeist: Espanha poderia complicar ingresso da Escócia na UE
A adoção de uma moeda própria pela Catalunha não é um processo tão simples como pode parecer. O clima de insegurança que fatalmente se seguiria à ruptura com a Espanha levaria a uma situação de instabilidade econômica e forte desvalorização monetária, fazendo, por exemplo, com que dívidas contraídas em euros por empresas e governos na Catalunha subissem de uma hora para a outra.
O simples temor de uma desvalorização da moeda catalã levaria investidores a retirar dinheiro da Catalunha, estimulando o círculo vicioso de desvalorização. Um processo semelhante aconteceu na Grécia, quando havia fortes rumores de que o país deixaria o euro. O temor da desvalorização de uma possível nova moeda grega gerou uma corrida aos bancos, obrigando o governo a impor limites.
O medo entre os investidores podia ser percebido já antes da frustrada declaração de independência. Logo depois do referendo de 1º de outubro, várias empresas anunciaram a transferência de suas sedes sociais da Catalunha para outras regiões da Espanha, entre elas os bancos Sabadell e La Caixa e a empresa de energia Gas Natural.
É uma situação semelhante à que se deu em Quebec, que em 1980 e em 1995 votou sobre a separação do Canadá. A chegada de um partido separatista ao poder na província, em 1976, deu início a um processo de fuga de capitais, empresas e principalmente de centenas de milhares de pessoas altamente qualificadas, muitas delas jovens.
União Europeia
A secessão da Espanha não significaria de jeito nenhum que a Catalunha passaria automaticamente a fazer parte da União Europeia (UE). Bem ao contrário, Bruxelas já deixou claro que vale para os catalães o mesmo processo de admissão que vale para todos os países que queiram integrar o bloco.
E mesmo se conseguisse cumprir todas as exigências de ingresso, a Catalunha certamente esbarraria num obstáculo intransponível: um candidato precisa do aval de todos os países-membros para ser aceito na União Europeia. O veto da Espanha bastaria para que a Catalunha jamais entrasse na União Europeia.
A Espanha, aliás, seria um entrave para qualquer acordo que os catalães tentassem fazer com o bloco. E vários outros países da União Europeia não teriam interesse em aceitar a Catalunha para não estimular secessões em seus próprios territórios.
Sem acesso ao mercado comum europeu, a economia catalã – com forte participação da indústria e das exportações – certamente sentiria o baque. Dois terços de tudo que a Catalunha exporta tem como destino a União Europeia, e as exportações para a UE (sem a Espanha) correspondem a cerca de um terço do PIB catalão. Mesmo as vendas para as demais regiões da Espanha seriam afetadas, pois as mercadorias catalãs estariam sujeitas a impostos de importação.
O influente setor financeiro é um dos mais sensíveis à exclusão da UE, pois a sede num país do bloco dá aos bancos o direito de fazer negócios em qualquer outro dos demais 27 membros. Se a Catalunha se separar da Espanha, os bancos sediados nela perderiam esse direito de um dia para o outro.
Isso sem falar de aspectos nos quais é difícil prever os efeitos, como o mercado de trabalho, as aposentadorias (o governo espanhol continuará pagando os pensionistas catalães?) e a busca de financiamento pelo novo Estado no mercado financeiro internacional.
A simplicidade do raciocínio separatista ("enviamos para Madri muito mais do que recebemos de volta") ignora que o cálculo sobre os efeitos econômicos de uma independência é muito mais complexo e deve considerar também todos os benefícios de fazer parte do mercado comum europeu e também do comércio com as demais regiões da Espanha.
A coluna Zeitgeist oferece informações de fundo com o objetivo de contextualizar temas da atualidade, permitindo ao leitor uma compreensão mais aprofundada das notícias que recebe no dia a dia.