Entrevista
18 de outubro de 2008Se as histórias de Ziraldo são contadas em línguas como italiano, coreano, espanhol, inglês e dinamarquês, pode ser graças à Feira de Frankfurt. É no maior evento literário mundial que é fechada a maioria dos acordos para compra e venda de títulos entre países, e foi aqui que Ziraldo teve contato direto com esse mercado internacional pela primeira vez, em 1969. Na época, veio apresentar Flicts pela editora Expresão e Cultura, e o livro foi vendido a quatro países.
Quase 40 anos depois, os personagens de Ziraldo são levados a países como Coréia, Itália, Japão, Espanha – e a cada edição da feira, as chances são de entrar mais um na lista. Este ano, a editora Melhoramentos vendeu Flicts para editoras do Japão e da China, onde O Menino Maluquinho também será lançado. Mas o que fascina o autor na feira não é o mundo dos negócios, e sim a riqueza das prateleiras – como contou à DW-WORLD.DE.
DW-WORLD: Ziraldo, quantas vezes você já veio para a Feira de Frankfurt?
Ziraldo: Essa é a minha décima vez. Parece até meio boboca falar isso, mas tenho uma paixão por livro, sempre foi para mim meio como um brinquedo. Livro para mim sempre esteve associado à idéia de prazer infinito. Meu pai me dava um livro de presente e, se era um livro bonito, eu salivava de felicidade. Até que eu não lia muito não, mas gostava do objeto livro. Eu poderia ser muito mais culto do que sou (risos)! O meu pai tinha um certo fascínio – ele não me dava brinquedo, sabe, viajava para o Rio, para Belo Horizonte, e quando voltava eu queria ver que livro ele tinha trazido para mim, e eram sempre uns livros muito coloridos, aquela coisa toda...
Fico fascinado nessa feira. O que me dá uma frustração muito grande é que você não pode comprar o livro, e isso é uma coisa frustrante. Você pega aquele objeto de prazer, de desejo, e aí? Tem que ir na cidade, acha uma livraria e comprar. Mas até você sair daqui e achar uma livraria... Fico anotando aqui para comprar depois.
Como foi sua primeira experiência na feira?
Vim pela primeira vez em 1969, quando publiquei aquele meu livro Flicts. O editor foi um dos primeiros a vir a Frankfurt comprar livros, e trouxe o Flicts, que conseguimos vender para quatro países. Foi uma coisa inédita. Vendemos para Dinamarca, Inglaterra, Itália e Espanha. Aliás, depois ele foi reeditado na Itália e ganhou um prêmio no ano retrasado. Outro dia estive lá com a minha mulher e fomos a um colégio que encena o Flicts todo ano desde 1969, no Vêneto (região localizada no nordeste italiano).
Também já fui várias vezes à feira de Bolonha, mas nada é parecido com isso aqui. Eu sempre falo: quem acha que os dias do livro estão contados tem que vir à Feira de Frankfurt. Só o pavilhão da Alemanha te deixa arrasado, é inacreditável. Agora vou dar uma olhada no pavilhão dos Estados Unidos e da Inglaterra, estão dizendo que é de matar.
Mas depois de dez vezes na feira, o que ainda te traz para cá?
Todo ano a minha editora traz os meus livros para cá. Ano passado eles venderam o Menino Maluquinho para a Coréia. Saiu em coreano. Mas eles não vêm nunca com grandes esperanças de vender, vêm mais para comprar títulos e ver se descobrem um best-seller para poder fazer dinheiro e tal. Aí aproveitam e trazem os livros da gente.
Os negócios são quase sempre fechados aqui na feira. Às vezes também fechamos um que não dá em nada. Por exemplo, fechamos um negócio com a França, mas no ano atrasado fui para lá e o editor tinha sumido, não tinha feito o livro. Essas coisas acontecem.
Agora, venho mesmo por fascinado que sou pela feira. Vim quando o Brasil foi o país convidado. Na década de 90, o Brasil foi o motivo da feira. Foi um festão brasileiro, nossa senhora! O que a gente bebeu e dançou e cantou no hotel... Por isso que o Brasil tem fama de país alegre, por isso que eu digo que o Brasil tem que ser escrito com ponto de exclamação. O último dia foi um carnaval, que a gente fez com a brasileirada e os apaixonados pelo Brasil.
E, ao longo destas dez vindas para cá, existe algo que sempre surpreende, algum país que é sempre uma novidade, de repente a literatura mais reclusa dos países do Oriente Médio? Isso chama a atenção para um escritor?
O que me chama a atenção é a qualidade gráfica e técnica dos livros. Hoje você pega uma vitrine e parece uma vitrine de caixa de bombom. Tudo em alto relevo, com ouro, com prata, os livros são muito lindos. E os álbuns, então, são fascinantes. Então essa confiança de que o livro vai durar muitos anos é a coisa que mais me fascina.
Outra coisa que me fascina aqui é o seguinte: esse espaço é dez vezes maior do que era quando eu vim pela primeira vez. Todos esses edifícios que você vê aqui em volta, essas torres, não existiam. Frankfurt só tinha torre na periferia. Isso aqui parecia uma estação central, não tinha torre aqui perto. É impressionante, parece Pequim, isso aqui cresceu feito uma abóbora.
Os alemães tinham muita resistência a prédios muito altos. Foi Frankfurt que arrebentou esse negócio. Algumas cidades alemãs ainda não têm prédios. Munique, por exemplo, resiste profundamente.
Depois de tantas vezes na Alemanha, já deve ser um bom conhecedor do país. Que impressão você tem daqui?
Uma coisa que eu constatei é que o nazismo fez um mal infinito à imagem da Alemanha, porque a história da Alemanha, do povo alemão, é uma história de doçura. É o país das Blumen, das flores, é o país do Papai Noel, das canções de natal... É o primeiro país que se preocupou com a criança, o país que inventou o jardim da infância. A Alemanha é impressionante. Não tem explicação.
Bom, a língua é dura de falar. O jeito de um alemão andar... Hoje eu estava no hotel, esperando a minha mulher num corredor enorme, quando ouvi um salto de sapato, "bec, bec, bec". Eu pensei: não pode ser a minha mulher. Passou uma alemãzinha como se estivesse marchando para a guerra, bate com o taco no chão de um jeito que afunda o prédio. Então tem essas coisas, mas a alma alemã é muito doce. E é como diz o Caetano Veloso: só se pensa em grego e em alemão.
Nesta edição da feira, está sendo lançado o Memorial de Aires, do Machado de Assis, em versão alemã. Qual é a sutileza que um tradutor deve ter para conseguir traduzir o Machado?
Outro dia eu estava lendo aquele ensaísta americano, o Harold Bloom, autor do Gênio. Ele elenca os maiores e mais importantes escritores da história da literatura do mundo, desde antes dos gregos até o nosso tempo. Os únicos latino-americanos que menciona são o Jorge Luiz Borges e o Machado de Assis, que ele diz que é o primeiro grande escritor negro da humanidade.
Agora, todo grande escritor que eu conheço conhece Machado de Assis. John Updike, por exemplo, acha que ele é o escritor mais importante que ele já leu na vida. Então acho que se deve babar de felicidade ao traduzir o Machado. Assim como, numa das vezes que eu vim aqui a Frankfurt, tinha uma pessoa babando de felicidade porque tinha conseguido traduzir Os Sertões para o alemão. Então a feira é sempre uma aventura fascinante.